Protagonizou mais de 120 filmes e continua com a agenda cheia de projectos. Aos 66 anos, a filha de Charlot vive entre Espanha e Suíça e combate pelo cinema independente mas, diz, "infelizmente, faltam produtores com garra".
Não há passadeira vermelha nem foco de estrelas. Há sofás floridos, estilo inglês, um piano, uma luz soberba que inunda o set, uma sala ampla com janelas rasgadas sobre o oceano e o verde dos jardins. Fala-se baixo. Os movimentos são lentos como se, ali, se vivesse outra dimensão. A acção desenrola-se no mítico hotel Reid's, no Funchal, numa manhã de domingo.
Iria "contracenar" com a protagonista, Geraldine Chaplin, num pequeno papel de jornalista. Faria meia dúzia de perguntas, sabia-as de cor, tal como as marcações, e ela dar-me-ia as respostas. Cumpriria o guião. Ao repórter fotográfico a liberdade na escolha dos ângulos que afastam as sombras. Mas para quê tanta imaginação? Encontrei uma antivedeta, simpática, disponível, alegre, corpo saltitante, franzino de adolescente, com ar "chaplinesco" de sorriso radiante e ingénuo, malabarista de rosto. Por instantes, eis a criação de uma personna, aquela do traje de bengalinha, chapéu de coco, bigode negro e sapatos compridos, o anti-herói operário, vagabundo, patinador, boxeur…
Geraldine veste uma camisola larga com referências aos sete pecados mortais, umas calças colantes e uns ténis e sabe que é impossível alguém se esquecer de Charlot. Levanta-se num impulso e escolhe o lugar para uma conversa em castelhano, inglês ou francês, para ela tanto faz. Apresenta o marido, o actor Patricio Castilla, agradece à cidade abela homenagem que lhe fez na Gala de Encer- ramento do Festival Internacional de Cine ma do Funchal , elogia o programa do festival "muito ecléctico, são filmes de que eu gosto" e faz uma pausa para falar da catástrofe que assolou a ilha em Fevereiro.
"A natureza não tem um coração humano. Hei-de voltar, hei-de voltar", diz com a voz sentida de quem olhou pela primeira vez a ilha e a achou "estranha porque nada se parece com este lugar. É esta luz que muda em cada instante, as flores, o verde, as montanhas", sussura num castelhano que nos transporta a 2002, ao filme de Pedro Almodóvar, Fala com Ela, onde teve "o prazer" de interpretar Katerina Bilova, bailarina clássica dona da academia. E a dança? "A dança foi o meu primeiro amor. Mas eu só bailava bem na minha cabeça porque o meu corpo não respondia." Sem mágoas, os olhos brilham quando fala do realizador espanhol. "Almodóver é uma experiência maravilhosa, tem um cérebro e um coração que, em simultâneo, andam a galope. Nor- malmente, há realizadores que são muito intelectuais e outros muito coração. Ele é os dois. Quanto mais rápido vai o coração, mais rápido vai o cérebro. É uma bala." Geral- dine vive hoje entre Espanha e a Suíça. A filha primogénita do londrino Charles Chaplin e de Oona O'Neill nasceu nos EUA, em 1944, mas só viveu oito anos em terras do Tio Sam. Charles Chaplin foi uma das vítimas do senador McCarthy e da Comissão das Actividades Anti--Americanas, que o acusa de "simpatias comunistas". Chaplin parte para Londres em 1952, pouco depois de terminar Luzes da Ribalta, o filme de estreia de Geraldine. Dessa primeira experiência, só se lembra da "felicidade de faltar ao colégio. Não me recordo de mais nada. Aos vinte e poucos anos também só me lembro que em A Condessa de Hong Kong (1967) dançava com Marlon Brando". Mais uma vez o riso que não é gargalhada. É riso irónico que esmorece quando se aborda, por exemplo, a América de Bush. Nessa altura,"tive vergonha de dizer que ia aos EUA. Obama foi o melhor que aconteceu à América. Ao mundo? Não sei. Mas eu deixei de ter vergonha dos Estados Unidos, um país onde há um presidente decente que, pelo menos, tenta… como nesta questão da saúde".
A Tonya Gromeko, de Doutor Jivago, de David Lean (1965), enrosca-se como uma contorcionista, mexe os dedos esguios numa linguagem de cinema mudo, abre os olhos expressivos que ora se arredondam ora se estendem em linhas de magia Chaplin.
"Foi uma sorte ter sido convidada para Dr. Jivago. Foi a segunda porta que se abriu na minha carreira. A primeira foi aberta pelo meu pai. Um génio. Sinto-me a pessoa mais privilegiada do mundo. Por ser filha de quem sou, e por ter a sorte de, aos 66 anos, continuar a trabalhar."
Mas há outra figura incontornável, o realizador espanhol Carlos Saura, do inesquecível Jardim das Delícias ou de Ana e os Lobos, e, mais recentemente, Fados (2007), com quem foi casada. Esta relação acaba por levar Geraldine ao cinema independente. Quando se olha para o vasto currículo é legítimo perguntar-lhe se nunca teve atritos com outros actores e/ou realizadores. Sem paciência para frases politicamente correctas explica: "Durante as rodagens fiz muitissimas merdas, algumas boas, é certo, mas, também, muita porcaria. Mas problemas com pessoas da equipa nunca tive. Nem com realizadores nem actores. O cinema é um microcosmo. Uma família. Onde acontece o bom e o mau. Discussões, muitas histórias de amor, muitos divórcios. É mesmo assim. Foi e será."
Actualmente, e devido à crise internacional, o cinema atravessa um mau momento, reconhece. E dá o seu próprio exemplo. "Eu fui contactada para entrar em três filmes, todos eles caíram. O mau momento não tem nada a ver com os actores. Nesse campo há muito talento. O que falta são bons produtores com garra e que se atrevam a arriscar, em vez de ficarem unicamente preocupados com o dinheiro da bilheteira."
Mesmo assim, ela não se queixa. Tem novos projectos, produções espanholas e argentinas e ainda uma produção francesa com Jane Fonda e uma película rodada no México, com base numa obra de Gabriel García Márquez. De Por- tugal, confirma que teve um contacto recente com Fonseca e Costa para participar no filme da realizadora brasileira Ana Carolina, A Primeira Missa, a história da chegada de Pedro Álvares Cabral a Porto Seguro, Brasil. O projecto está em fase de pré-produção e é um dos contemplados na lista do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA).
Geraldine Chaplin será uma velha pirata inglesa. "Vai ser muito louco", adianta a actriz, que elogia, ainda, João Mário Grilo, um director "impressionante", com quem rodou Os Olhos da Ásia, 1997.
DN
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