Lenda de Viseu
" D. Ramiro II, Rei das Astúrias e de Leão, que reinou desde o anno de Christo de 931 até o de 950, n'uma excurção que fez de Vizeu, onde então residia, por terras de moiros, viu e enamorou-se da famosa Zahara, irmã de Alboazar, rei moiro, ou alcaide do castello de Gaia sobre o rio Douro.
Recolheu-se D. Ramiro a Vizeu com o coração tão captivo, e a razão tão perdida, que sem respeito aos laços, que o uniam a sua esposa D. Urraca, ou como outros lhe chamam D. Gaia, premeditou e executou o rapto de Zahara.
Enquanto o esposo infiel se esquecia de Deus e do mundo nos braços da moira gentil n'um palácio à beira mar, o vingativo irmão de Zahara, trocando affronta por affronta, veio de cilada, protegido pela escuridão de uma noite, assaltar e roubar nos seus próprios paços a rainha D. Gaia.
A injúria vibra n'alma de Ramiro o ciúme e o desejo de vingança.
O ultrajado monarcha vôa à cidade de Vizeu, escolhe os mais valentes d'entre os seus mais aguerridos soldados, e la vae á suaa frente caminho do Douro.
Chegando à vista do castello d'Alboazar, deixa a sua cohorte occulta n'um pinhal, e disfarçado em trajes de peregrino, dirige-se ao castello, e por meio de um anel, que faz chegar às mãos de D. Gaia lhe annuncia a sua vinda.
O peregrino é introduzido immediatamente à presença da rainha, que fica a sós com elle. Alboazar tinha ido para a caça. D. Ramiro atira para longe de si as vestes e as barbas, que o desfiguravam, e corre a abraçar a esposa. Esta porém repelle-o indignada, e lança-lhe em rosto a sua traição.
No meio de um vivo diálogo de desculpas de uma parte, e de recriminações da outra, volta da caçada Alboazar. D. ramiro não pode fugir. Já se sentem na proxima sala os passos do moiro. A rainha, parecendo serenar-se, occulta o marido n'um armário, que na camara havia. Mas apenas entrou Alboazar, ou fosse vencida d'amor por elle, ou cheia d'odio para com o esposo pela fé trahida, abre de par em par as portas do armário, e pede vingança ao moiro contra o christão traidor.
D'ahi a pouco era levado el-rei D. Ramiro a justiçar sobre as ameias do castello. Chegado ao logar de execução pediu o infeliz, que lhe fosse permittido antes de morrer despedir-se dos sons accordes da sua bozina. Sendo-lhe concedida esta derradeira graça, D. Ramiro empunha o instrumento, e toca por tres vezes com todas as suas forças.
Era este o signal ajustado com os seus soldados, escondidos no proximo pinhal, para que, ouvindo-o, lhe acudissem apressadamente. Portanto n'um volver d'olhos foi o castello cercado, combatido, tomado, e depois incendiado. A desprevenida guarnição foi passada ao fio da espada, e Alboazar teve a morte dos valentes: expirou combatendo. E D. Gaia, como ao passar o Douro para a margem opposta, se lastimasse e mostrasse dôr, vendo abrasar-se o castel'o, foi victima também do ciume de D. Ramiro que cego d'ira a fez debruçar sobre a borda do barco, cortando-lhe a cabeça de um golpe d'espada.
Á fortaleza em ruínas ficou o povo chamando o castello de Gaia, à margem do rio, onde aportou o barco de D. Ramiro, deu-lhe o nome de Miragaia, em memória d'aquele fatal mirar da misera rainha ".
Esta é pois a lenda que se presume ter dado origem ao Brasão de Viseu.
Temos assim que o Castelo representa o de Alboazar, o tocador de corneta, o rei D. Ramiro e a árvore, o bosque em que se esconderam os habitantes de Viseu.
Lenda ou fábula ela representa uma forma de interpretação e porque carregada de antiguidade merece bem que se respeite como tal. Mas fazendo fé em Vilhena Barbosa, nem tudo será hipotético porque " D. Ramiro II roubou a moira Zahara, irmã ou filha d'Alboazar, a qual se fez christã, tomando no baptismo o nome de Artida ou Artiga. Repudiando a rainha D. Urraca, casou segundo uns, ou viveu amancebado segundo outros, com Zahara de quem teve um filho, chamado D. Alboazar Ramires que foi o primeiro fundador do Mosteiro de Santo Thirso ".
A Cura do Infante
O culto de Nossa Senhora de Cárquere, na região de Viseu, já se fazia na época, anterior à nacionalidade, em que D. Rodrigo perdeu a Espanha para os Mouros, sendo provavelmente muito mais antiga. Durante a invasão moura, a imagem foi escondida num carvalho oco, juntamente com uma caixa de relíquias, os sinos da ermida e uma cruz de prata. Estes objectos foram aí esquecidos. Muitos anos depois, nasceu D. Afonso Henriques com um grave problema de saúde: o pequeno infante não tinha acção nas pernas, do joelho para baixo. O seu aio, Egas Moniz, teve um sonho em que lhe apareceu Nossa Senhora. A Virgem mandou-o ir a Cárquere e cavar em determinado local, onde encontraria os restos da ermida e a sua imagem. Deveria então mandar construir uma nova igreja e sobre o altar colocar o infante, passando aí uma noite de vigília. A construção terminou quando D. Afonso Henriques tinha cinco anos e as indicações da Virgem foram cumpridas. No dia seguinte, o infante andou e correu como uma criança saudável. O conde D. Henrique, perante este milagre, agradeceu à Virgem mandando construir um mosteiro junto à igreja que doou aos cónegos regentes de Santo Agostinho.
Lenda dos Távoras
A tradição diz que os irmãos D. Tedo e D. Rausendo, os protagonistas desta lenda, que se terá passado em 1037, eram descendentes de Ramiro II de Leão. Os corajosos irmãos já há muito tempo tentavam tomar o castelo de Paredes da Beira que estava na posse do emir mouro de Lamego, sem qualquer sucesso. Mas um dia, esgotados todos os outros recursos, D. Tedo e D. Rausendo decidiram usar a astúcia para conseguirem apoderar-se da fortaleza. Numa manhã do dia de S. João em que os mouros saíam habitualmente do castelo para se banharem nas águas do Távora, os dois irmãos e o seu exército disfarçados de mouros prepararam uma emboscada e entraram no castelo, matando a maior parte mouros que lá tinham ficado. Avisados por alguns mouros que tinham conseguido fugir do assalto, os mouros que festejavam no rio prepararam-se para voltar ao castelo quando foram atacados no rio por D. Tedo e os seus guerreiros que os dizimaram a todos. O vale do rio onde se travou a sangrenta luta ficou a ser chamado por Vale D'Amil em lembrança dos mouros que tinham sido mortos aos mil. A lenda diz que os dois irmãos tomaram a partir da batalha o apelido de Távora, em memória do rio onde se tinha desenrolado a vitória, e adoptaram nas suas armas um golfinho sobre as ondas simbolizando D. Tedo que com o seu cavalo tinha vencido os Mouros nas águas do rio.
Lenda da Caninha Verde
Em tempos que já lá vão, nos primeiros tempos da Reconquista, vivia num palácio em Fataunços, perto de Vouzela, o nobre guerreiro El Haturra, descendente do famoso chefe mouro Cid Alafum. El Haturra era velho e feio e nunca era visto sem a sua bengala, uma velha cana que vinha sendo transmitida na sua família, de geração em geração, entregue ao seu novo possuidor com umas palavras misteriosas... Ora, o facto de El Haturra se fazer acompanhar por aquela cana negra e ressequida era objecto de troça de todos, a tal ponto que um seu amigo, o jovem português Álvaro o aconselhou a desfazer-se dela. El Haturra confidenciou-lhe então que a vara tinha magia e que se um dia chegasse a ficar verde era o sinal sagrado do profético encontro de dois primos descendentes de Cid Alafum. Nesse dia esperado, as terras e os tesouros do antigo chefe mouro voltariam à posse da família e as formosas mouras seriam desencantadas. Uma condição essencial era que ambos os descendentes professassem a religião de Alá. Um dia, passeavam El Haturra e o seu amigo Álvaro pelo campo quando viram uma linda princesa acompanhada por uma formosa aia, de cabelo negro e olhos azuis, que cavalgava um cavalo negro. De repente, a vara começou a ficar verde e El Haturra começou a rejuvenescer, tornando-se jovem e belo. Ao primeiro olhar, El Haturra tinha reconhecido na aia a descendente de Cid Alafum e, juntamente com Álvaro, saiu atrás das duas jovens que se dirigiam à corte do rei de Portugal. Diz a lenda que El Haturra conseguiu convencer a jovem aia a casar-se com ele e o rei de Portugal abençoou a união com uma condição: o baptismo de El Haturra. De início o agora jovem El Haturra opôs-se veemente, mas por fim a sua paixão foi mais forte e aceitou o desejo real. O baptismo ficou marcado para o dia do casamento e foi então que aconteceu algo de extraordinário: no momento em que estava a ser baptizado, El Haturra voltou a ser velho e feio como dantes. A magia da caninha verde só seria válida se ambos os nubentes professassem a religião de Maomé. A noiva desmaiou naquele mesmo momento e nunca mais quis ouvir falar no seu noivo que desapareceu para sempre, enquanto que a sua cana verde foi guardada num sítio secreto. Segundo a tradição, se alguém gritar "Viva o fidalgo da caninha verde!" no mesmo local e à mesma hora em que se deu o encontro entre os dois descendentes de Cid Alafum, ouvirá gargalhadas alegres das mouras encantadas que pensam que chegou a hora da sua libertação.
A Senhora da Lapa
Diz a lenda que a imagem de Nossa Senhora da Lapa apareceu num penedo de difícil acesso, na Beira Alta. Os devotos construíram-lhe um templo num local mais acessível, mas a imagem da Senhora fugia para o seu penedo sempre que a punham na nova capela. Este facto insólito ocorreu tantas vezes que os devotos fizeram a vontade à Virgem e construíram-lhe uma capela no penedo. E a Senhora da Lapa lá está hoje, num sítio em que para a ver o crente tem de entrar de lado, por mais magro que seja. Curiosamente, o crente mais gordo de lado entra sempre. Um dos milagres atribuídos a esta Senhora é o que ocorreu com um caminhante que, adormecendo junto à capela, entrou-lhe na boca entreaberta uma cobra. Aflito, o homem acordou e imediatamente invocou no seu pensamento a Senhora da Lapa. Conta a lenda que a cobra imediatamente virou a cabeça para fora da boca, sendo depois apanhada e morta.