Levanta-se cedo para ler e pensar, umas duas horas antes de ir para Comissão onde chega lá pelas 8.30 horas. Tece elogios à equipa "muitíssimo boa" que lhe faz chegar às mãos os temas já "muito preparados", mas gosta "sempre de improvisar", de pôr o seu próprio "input".
A mesma equipa que, a meio do dia, improvisa uma sala de reunião e outra de visitas no edifício ao lado para continuar os trabalhos interrompidos por um alarme de incêndio que não estava na agenda.
Passou um dia inteiro em Bruxelas, mas não tem muitos assim, mais de metade do ano viaja. Quando pode, aproveita as viagens para ver as exposições que aprecia.
"Mostrem-me alguém que tenha feito mais no Mundo"
Depois de doze horas de reuniões, encontros, despedidas e translados, ainda posa com bonomia, junto aos quadros de Ângelo de Souza que forram uma das paredes da sala de visitas do presidente da Comissão Europeia. Uma cortesia da Gulbenkian. Fala das viagens, das que fez e que vai fazer, da crise, desta Comissão e da próxima. A cinco meses de terminar o mandato de cinco anos, espera pelos resultados das Europeias para dizer se avança. Não se queixa do ritmo que leva, mas impõe o ritmo da conversa. É noite de final da liga dos campeões e "vamos lá, então" que o presidente quer ir ver o futebol. Prioridades.
Foi um dia normal na Comissão Europeia?
Não, aquele alarme não foi normal (risos). Mas foi um dia normal em intensidade de trabalho. Amanhã [anteontem], por exemplo, vou ter várias reuniões internas de manhã, depois tenho o almoço com o Grupo de Reflexão para o Futuro da Europa presidido pelo Felipe González, mas depois vou à Alemanha. Vou e venho. Vou chegar à uma ou duas da manhã. Vou a uma coisa muito engraçada, que é um grupo que eu estou a patrocinar com o Wim Wenders, aquele grande cineasta que fez o filme "Nas asas do desejo", e o Volker Schlöndorff sobre as imagens da Europa, como é que a Europa se vê a si própria. É um bocado o imaginário europeu. Os miúdos hoje em dia, os portugueses por exemplo, vêem os filmes americanos, com os táxis amarelos de Nova Iorque. A verdade é que sabemos como são os táxis de Nova Iorque e não sabemos por exemplo como é que são os de Barcelona ou de Paris. É sobre isto que queremos trabalhar. Por isso amanhã ainda vai ser mais cansativo que hoje porque vou ter três horas para lá e três horas para cá de carro. É a minha vida.
Estamos a chegar ao fim do mandato, qual é o feito por que gostava que a Comissão Barroso fosse lembrada?
Não se pode falar de um feito em si. Mas se quiser falar de um dossier foi sem dúvida o da energia e alterações climáticas. Nós lançámos as bases no que toca a energia. Há ainda coisas a fazer, mas a verdade é que já foi aprovado o mercado interno da energia e há programas de financiamento das redes transeuropeias. Há uma ideia de uma política europeia de energia, as lutas contra as alterações climáticas onde somos os mais avançados do mundo, para defendermos o planeta.
O que destaca?
Acho que são três elementos. Definir a globalização e uma doutrina europeia para a globalização. Na verdade foi com esta Comissão que conseguimos lançar o G20 do qual é membro de pleno direito, a Comissão foi finalmente admitida no Financial Stability Forum. O presidente da Comissão tem um lugar pleno no G20 e nestes grandes debates. A questão do alargamento, foi a Comissão que fez, ao fim e ao cabo, a consolidação do alargamento, nós é que estamos a dar realidade à Europa alargada a funcionar neste espírito de solidariedade. Em terceiro lugar e em termos concretos o pacote de energia e clima. Depois há outras coisas interessantes, algumas até importantes para Portugal, como a questão da política marítima integrada e temos mantido, apesar de tudo, esta política de fundos estruturais. Depois umas ideias que eu próprio lancei como o Fundo de Ajustamento à Mundialização, o Instituto Europeu de Tecnologia que está a ser lançado, já tem sede em Budapeste. Há outras coisas, mas estas são talvez aquelas de que orgulho mais.
Qual vai ser o projecto da próxima Comissão Europeia?
É melhor perguntar à próxima Comissão, mas aquilo que este presidente da Comissão pode recomendar ao próximo presidente da Comissão é o seguinte. Por exemplo, a estratégia de Lisboa, não referi há pouco porque nós só fizemos aqui foi a renovação, mas é preciso manter esta agenda [da estratégia de Lisboa] e o reforço perante a crise, que é um estímulo para a acção, não uma desculpa para a inacção.
De que modo se pode aproveitar esta crise?
Eu acho que esta crise só demonstra a necessidade de a Europa se adaptar ainda com mais urgência às novas condições da competitividade global. E isso é sobretudo inovação, investigação, educação. Eu sei que isto é um lugar-comum, hoje em dia, mas verdade é que é preciso fazê-lo. Senão, como é que vão as pessoas mais novas competir com a China, com a Índia que têm custos de produção muito mais baixos? É com valor acrescentado, com novas ideias, novos produtos. É a definir os produtos do mercado do futuro.
Que novos produtos são esses?
O clima é uma parte disso, porque vai criar novo mercado, com as renováveis, a chamada transição para a nova economia. Isso já é parte desta agenda, mas vai haver outras coisas. Nós há 10 anos não sabíamos o que era o i-phone e criou-se o produto e hoje tem um mercado de milhões e milhões, já para não falar dos i-pods que hoje toda a gente tem e mesmo dos telefones celulares, onde a Europa é, aliás, líder. Vai haver novos produtos. Alguns deles já intuímos sobre eles, outros não sabemos ainda quais são. É esta a agenda para o futuro. É reforçar a competitividade da Europa para o futuro. Em larga medida, tem de haver um misto de continuidade. Não se pode reinventar a roda todos os dias. Mas nunca se sabe o que vai acontecer.
Já decidiu se é candidato a presidente da Comissão Europeia?
Isso é uma questão de que só quero falar mais tarde.
Depois do Conselho Europeu?
Certamente depois das eleições [europeias] por uma questão institucional que eu já expliquei. A Comissão tem uma dupla legitimidade, assenta numa nomeação que vem dos estados do Conselho e assenta no voto do Parlamento Europeu a quem tenho que prestar contas. Portanto, é só quando eu tiver informação da posição previsível do Conselho e do Parlamento Europeu é que acho que me devo pronunciar. Também para ver qual é a posição do Conselho e da Comissão quanto ao futuro. Quer dizer, não escondo a ninguém que gosto daquilo que estou a fazer, que sou convictamente europeísta e que estou muito motivado para a acção que estou a levar a cabo. Agora, não escondo que tenho muito orgulho - penso que é o reconhecimento de um trabalho - de ter o apoio não apenas dos governos da família do Partido Popular Europeu, do governo alemão, do francês, mas, também, da família socialista, com o apoio de Portugal, do governo do meu país, mas também do governo espanhol, do inglês ou, ainda hoje, do chanceler austríaco. Já para não falar na família liberal, como o primeiro-ministro da Dinamarca, da Finlândia, da Estónia. São países importantes. Às tantas dizia-se que o Durão Barroso só tinha o apoio dos socialistas ibéricos porque são ibéricos.
Não é verdade?
Não é verdade, porque reconheceram que o trabalho desta Comissão ocorreu em condições extremamente difíceis. Esta crise é sem precedentes e com os instrumentos disponíveis fizemos o máximo. Obviamente que isso me dá, não posso esconder, uma certa satisfação, qualquer pessoa gosta de ver reconhecido o seu trabalho. Esta confiança para o futuro obviamente que me motiva, mas temos que ver as condições e depois falaremos nisso mais tarde. O mandato desta Comissão vai até ao fim de Outubro e por isso há uma série de coisas ainda a fazer antes de se pensar na próxima Comissão. Como eu digo muitas vezes, uma semana em política é uma eternidade.
Em plena crise económica, fala-se que a Comissão Europeia poderia ter feito mais. Sente-se injustiçado ou poderia, de facto, ter sido feito mais?
Não. Mostrem-me alguém que tenha feito mais no Mundo. Claro, nós fizemos de mãos dadas com a presidência francesa, mas como é que havia de ser, em guerra? Quem é que lançou a iniciativa para a regulação e supervisão a nível global? Eu próprio fui com o presidente Sarkozy apresentar isso aos norte-americanos, para lançar um projecto que está a avançar. A nível de regulação, até hoje, fomos os únicos que propuseram respostas a nível global. Sobre os hedge-funds, os fundos especulativos, mostre-me alguma região no mundo que o tenha feito. Ninguém fez. Nós estamos na vanguarda da resposta à crise. A nível europeu, na parte da resposta económica, utilizámos os instrumentos que tínhamos. Obviamente que os estados-membros puseram mais dinheiro porque têm um orçamento. O orçamento da União Europeia é menos de 1% do PIB europeu. O que fiz, mesmo assim, foi propor que usássemos o dinheiro que ainda não estava gasto, os tais cinco mil milhões [de euros], dinheiro que ainda não tinha sido executado e distribuímos por projectos pan-europeus, em energia e banda-larga. Fizemos um adiantamento de fundos estruturais. Agora, não peçam às instituições europeias que façam o que não podem fazer porque não têm meios para isso. Fomos ao limite das nossas possibilidades. Uma parte dessas críticas tem a ver, obviamente, com o momento eleitoral, é natural.
Nas perspectivas que começam a sair sobre o trabalho da Comissão aparece sempre a referência à Cimeira das Lajes. Costuma ser abordado sobre esta questão?
Não, aqui nunca ninguém me falou nisso, a não ser no Parlamento Europeu mas por algumas pessoas que por razões ideológicas colocam o assunto. A verdade é que foi já depois da cimeira das Lajes que eu fui nomeado e eleito presidente da Comissão Europeia, em 2004. Precisamente, porque foi entendido na altura que eu era a pessoa que podia ter o consenso dos estados- -membros.