Num mês desapareceram da estatística oficial 14 721 crimes, mais de metade dos registados e divulgados em cinco anos
O Governo "apagou" das estatísticas oficiais mais de metade dos registos de crimes com armas de fogo. A base de dados oficial do Ministério da Justiça (MJ), disponível na Internet, apresentava até há um mês 28 192 entradas para crimes com armas de fogo, de 2005 a 2009. Mas, esta semana, os números eram bem diferentes, na mesma tabela e para o mesmo intervalo de tempo. Havia apenas 13 471 crimes registados para a série estatística de cinco anos.
No espaço de um mês desapareceram 14 721 registos, que foram cirurgicamente retirados à soma dos anos de 2005 a 2009.
A oposição, em bloco, exige que o ministro da Justiça, Alberto Martins, vá dar explicações ao Parlamento. Hoje mesmo, PSD, PCP e CDS-PP vão enviar requerimentos formais a pedir o agendamento de uma audição, com carácter de urgência, a este governante responsável por esta base de dados (ver texto ao lado).
Estas estatísticas da criminalidade são a base de vários estudos científicos, de comparações internacionais, de decisões políticas com impacto orçamental e toda a sustentação da análise do Relatório Anual de Segurança Interna, o mais importante documento governamental na definição de estratégias de combate ao crime.
Na discrepância estatística, detectada pelo DN, são notórias "coincidências" curiosas. Uma é que os valores só foram "ajustados", no sentido de eliminar registos, desde 2005. Até este ano, conforme o DN tem documentado, todos os valores se mantêm iguais. Em 2005, como frisa o deputado centrista Nuno Magalhães, "foi o ano em que o Governo PS tomou posse e o ano em que a criminalidade violenta e grave começou a subir".
Outra coincidência é que os valores de Maio foram publicados, com destaque de primeira página, pelo DN, na altura da realização da conferência do Observatório contra a Proliferação de Armas. Nesse artigo (ver fac-simile), com base nestas estatísticas oficiais, era assinalado o facto de os crimes com armas de fogo terem "triplicado" nos últimos cinco anos. O artigo saiu e os dados nunca foram desmentidos. Aliás, nem podiam, porque estavam em estatísticas oficiais.
O gabinete do ministro da Justiça alega que "a diferença resulta de um processo de afinação que estava em curso". Segundo o ministério respondeu ao DN, o procedimento "visa uniformizar, melhorar e dar consistência às estatísticas, evitando duplicações, de forma a que estas correspondam de forma autêntica aos dados fornecidos pelas diferentes forças e serviços de segurança".
Várias pessoas que o DN ouviu, na esfera da segurança interna ou dos partidos políticos, não consideram a explicação admissível, uma vez que, acreditando nesta explicação, quando se faz este tipo de "ajuste" teria sempre de ser devidamente publicitado. Nem os maiores partidos da oposição no Parlamento nem mesmo o Gabinete Coordenador de Segurança foram notificados dessa alteração.
Por outro lado, fica por explicar porque o dito "erro" só acontece e é corrigido desde 2005 e se assim foi quem é o responsável por tamanho "desastre", só detectado depois de o DN ter publicado o artigo.
Paulo Pereira de Almeida, vice- -presidente do Observatório de Segurança e analista de estatísticas de segurança, realça que "as estatísticas de fontes oficiais são um dos principais elementos de auditoria e de avaliação das políticas do Governo. A sua integridade é um princípio para a qualidade da democracia e para a confiança nas instituições. Seria intolerável pensar que estas podem ser falseadas, seja na educação, no emprego, ou na Administração Interna".
DN
Sem comentários:
Enviar um comentário