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So faltam meses, dias, horas, minutos, e segundos para o ano 2012

Madeleine

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Radio Viseu Cidade Viriato

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Em busca do clima perdido

Se acha que o Mundo está virado do avesso, saiba que a temperatura ainda só está 0,8 graus acima do que era suposto.E decore este meta: até 2050, o termómetro vai cavalgar até aos dois graus de transgressão. Acha difícil viver agora? Imagine o que dirá a próxima geração. 90% da culpa é sua. Nossa. Restam duas opções: expiar pecados ou sucumbir.

Há expressões que irrompem pelo quotidiano como canções de Verão: têm sucesso instantâneo, mas quase irremediavelmente limitado. Durante várias semanas não ouvimos outra coisa, mas antes de lhe apreendermos o significado já as esquecemos. E se um dia tivéssemos de soletrar aquela história, o mais provável era não sermos capazes de o fazer. O mesmo acontece quando ouvimos dizer alterações climáticas, aquecimento global, emissão de gases para a atmosfera. Expressões que, independentemente de conterem em si uma sentença de morte e um putativo plano de absolvição, estão vazias de significado para a maioria. No Mundo todo.

A prova é que todos saberão dissertar sobre a onda de calor que assola a Rússia e que já matou mais de 15 mil pessoas; ninguém será indiferente às inundações que fizeram desaparecer 1600 vidas e mais de 280 mil casas no Paquistão; qualquer um dirá de cor as chuvas torrenciais que de rajada limparam três aldeias inteiras na China. E mesmo sem viagens intercontinentais, quem não sabe que sente um calor que nunca antes sentiu? Que a floresta nacional está a ser queimada tal e qual como nesse Verão de má memória de 2005? Mas quantos, em consciência, reconhecem que a tragédia e a temperatura não resultam de um insólito acaso, mas de uma sucessão de comportamentos humanos já devidamente identificados? E quantos decidem, em função disso, rever as regras da casa com a intenção de prolongar a vida do planeta? Se nem Obama, o messias que chegou ao poder em 2008 para salvar o Mundo, parece estar a conseguir explicar aos americanos o que está realmente em causa, a quem caberá dar o próximo passo? Provavelmente, a todos os que perceberem que há uma diferença que torna absurda a analogia entre a música e o clima: não há canções insubstituíveis, mas só há um planeta habitável. E está nos cuidados intensivos.

Dez anos para amortecer o salto

É um caminho sem retorno: no último século, a temperatura subiu 0,8 graus e desequilibrou o planeta. Só por causa disso, morrem 150 mil pessoas por ano - mil só em Portugal. Nos próximos 50 anos, no cenário mais optimista, a temperatura estará pelo menos dois graus acima da fronteira de conforto. Mas poderá, sem dificuldade, atingir os quatro ou os cinco graus. Situações extremas, como secas e inundações, que já triplicaram desde 1980, continuarão a multiplicar-se. Portugal e toda a Península Ibérica, mas sobretudo o Sul, serão as zonas mais afectadas.

O gelo da Gronelândia está a derreter a um ritmo sem precedentes - o Ártico deverá desaparecer em 2040. Acresce a isto, a água doce que está a ser vertida para o oceano. Até ao final deste século, o nível das águas do mar deverá subir um metro - e um metro significa que paraísos como as Maldivas, no Oceano Índico, ou o Kiribabi, no Pacífico, deixarão de existir. A agricultura, que já não está bem - está até bem mal, com anos péssimos, de que 2010, o ano mais quente desde o século XIX, não tardará a dar testemunho -, entrará em colapso. Bastará para isso constatar que a recente onda de calor na Rússia inutilizou 10 milhões de hectares de terra - significa que ficará por produzir uma área dez vezes maior do que aquela que se cultiva em Portugal. O preço de bens alimentares essenciais, como o pão, vai disparar. E, a partir daí, é a negra bola de neve: mais fome, menos qualidade de vida, centenas de milhares de pessoas a morrer. Desengane-se quem pensa que é ficção.

"O aumento da temperatura média global é irreversível e representará um Mundo onde não será muito agradável viver." O prognóstico, sintetizado, é traçado por Viriato Soromenho Marques e Filipe Duarte Santos, dois dos maiores especialistas portugueses em matéria ambiental.

"O que está em causa já não é a prevenção, ou seja, agir de forma a que se possa evitar a alteração climática. No final dos anos 70, talvez ainda o pudéssemos fazer. Neste momento, já não é possível", sublinha Soromenho Marques, professor catedrático na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e responsável pelo programa de Ambiente da Fundação Calouste Gulbenkian. Está em causa controlar os danos de uma doença sem cura?

A resposta chega ilustrada. "É a imagem do pára-quedista, cujo pára-quedas não abriu. A dez metros do solo, diz: até agora não me aconteceu nada. A verdade é que não é preciso esperar pelo impacto do acidente. Nessa altura, será já demasiado tarde. Tem de haver uma mudança política, jurídica, económica e ética para encontramos uma resposta conjunta para o declínio de duas coisas fundamentais: a situação climática e ambiental".

A chave é só uma: estabilizar a emissão de gases, sobretudo de dióxido de carbono, para a atmosfera. "Acontece que esta emissão e acumulação de gases, provenientes da queima de combustíveis como o carvão, o petróleo e o gás natural, representam 80% das fontes primárias de energia. E nós não podemos deixar de ter energia. O que pode fazer-se é investir em eficiência energética e utilizar mais energias renováveis. Mas isso tem um custo, arrefece a economia", observa Filipe Duarte Santos, professor catedrático de Física na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e coordenador do Projecto SIAM - "Climate Change in Portugal. Scenarios, Impacts and Adaptation Measures".

Será, de resto, esse arrefecimento que fez fracassar, no final do ano passado, a cimeira de Copenhaga, cujo objectivo era estabelecer um acordo global para a redução dos gases com efeito de estufa capaz de suceder ao Protocolo de Quioto, que expira em 2012. A mesma razão pela qual Barack Obama, presidente dos Estados Unidos, conseguiu cumprir apenas duas das suas três grandes promessas eleitorais. "Conseguiu aprovar a lei da saúde e a lei da regulação dos mercados. Mas não conseguiu que o Congresso aprovasse a lei da energia e do clima", lamenta Soromenho Marques. Recorde-se que os EUA, ainda na era de George W. Bush, não ratificaram o Protocolo de Quioto. O então presidente argumentara que a redução exigida, 5% de emissões, iria arruinar a economia.

O fracasso de Obama é o prejuízo de todos os governos sem coragem, ancorado, também, num problema de comunicação. " Se, pelos vistos, para os EUA é difícil dizer que é preciso fazer alguns sacrifícios, mais difícil será para os governos da Índia e da China, que só agora começam a ter classe média, dizer aos seus povos que não podem continuar a crescer", explica. "É uma questão de justiça. A Índia e a China aceitam que a alteração climática é responsabilidade de todos. Mas há um histórico. Estes países iniciaram a actividade industrial há 30 e há 20 anos respectivamente. Inglaterra começou há 250, os EUA há 150, a Europa há 200. Daí a defesa do princípio das responsabilidades comuns mas diferenciadas. A atmosfera é um bem comum, vamos todos fazer um esforço, mas alguns têm mais responsabilidades do que outros."

"Os eleitores valorizam mais o curto prazo do que o longo", reconhece Duarte Santos. Apesar disso, diz, "há sinais encorajadores. Medvedev, presidente da Rússia, declarou no passado dia 30 de Julho, que a Rússia, face aos incêndios e à seca, vai intensificar o combate de uma maneira empenhada às emissões." E Portugal, sublinha, "tem feito um excelente trabalho", como aliás, destacou, esta semana, o "The New York Times". O jornal norte-americano elogiou o facto de "quase 45% da electricidade em Portugal derivar de fontes renováveis - um aumento de 17% face aos últimos cinco anos".

Surpreendente, neste cenário, é que Omar Baddor, encarregado do acompanhamento do clima mundial na Organização Meteorológica Mundial, tenha afirmado recentemente que "ainda é muito cedo para apontar culpas à influência humana". Os dois especialistas ouvidos pelo JN discordam peremptoriamente. "Já é altura de começarmos a atribuir culpa a algumas actividades humanas. Mais de 90% desta situação resulta disso", assegura Duarte Santos. E Soromenho Marques corrobora: "O processo de alterações climáticas é antropogénico. Ou seja, há 90% de certeza de que se lhe retirassem as causas humanas, não teria acontecido."

Estamos a quatro meses da Cimeira de Cancún, no México, cujo objectivo continua a ser encontrar um substituto para Quioto. E ninguém arrisca fazer futurologia. O coordenador do SIAM prefere sublinhar a "solidariedade intra e intergeracional" que é preciso cultivar. "Para proteger a geração dos nossos filhos e netos". Soromenho Marques subscreve, mas vai mais longe: "Temos apenas uma década para estabilizar o cenário actual. Quebrou-se a inocência, nasceu a altura de assumirmos as nossas responsabilidades, de estarmos à altura do respeito que devemos a nós próprios, o que implica agir de acordo com a informação que temos. Esta mudança de comportamento", acredita, a existir, "terá uma dimensão de contágio". Passará por aí a preservação do futuro?

JN

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