Portugal tornou-se num país 'vizinho' da Moldávia, não só para quem imigrou mas também para quem ficou. São a terceira comunidade do Leste por cá, onde ganham dinheiro para construir as casas no seu país, recorrendo às técnicas portuguesas. Operários que elogiam a simpatia dos portugueses, a comida, a cerveja e o café. E já se serve feijoada e polvo à lagareiro à mesa de um restaurante moldavo
Em Longanesti, as casas estão em cimento, inacabadas. Os acabamentos fazem-se à medida das remessas e das férias dos imigrantes. Casas vazias ou com crianças e velhos. A força de trabalho emigrou. É uma aldeia moldava que fica a 45 km da capital, Chisinau. Faltam infra-estruturas, caminhos alcatroados e, sobretudo, pessoas. "O dono desta casa trabalha em Portugal. Este também. Nesta casa, o marido está em Portugal e a mulher na Rússia. Estes estão em Itália. A maioria dos donos está em Portugal, no Algarve. E há um ou outro que está em Itália, Rússia, Israel... e até nos Estados Unidos e Canadá."
As ruas estão praticamente desertas. Passam crianças e jovens, a pé, de bicicleta e de carroça. Alguns transportam água por caminhos enlameados devido às chuvas recentes. A carreira deixa meia dúzia de pessoas. Isto num final da manhã de sábado. Mas durante a semana não há muito mais movimento, apenas a população jovem está concentrada na escola ou na creche locais. Mesmo assim, já foram muitos mais, diz Vasile Seciu, o nosso "guia". E lamenta: "Nasciam 80/90 crianças por ano até 1990, a partir daí começou a decrescer, agora são umas 20. Estudavam 720 alunos na escola secundária há quatro anos, agora são 620."
Em resumo: Loganesti apresenta um cenário idêntico a muitas aldeias portuguesas nos anos 60. E muitas ainda o mantêm no que diz respeito à falta de habitantes, que migraram para o litoral e para o estrangeiro. Em Portugal já não se distinguem as "casas tipo maison" das novas habitações, enquanto na Moldávia as vivendas dos emigrantes se destacam pelo tamanho, pelo traço e por estarem por pintar. Porque o que é natural é que quem deixa o país queira dar sinais de que partiu para melhor. E vai acrescentado um piso, uma divisão, um pormenor ao ritmo das poupanças. Além de que não há outras novas construções.
"E, depois, copiam-se uns aos outros. Tinham todos janelas de alumínio, mas houve alguém que as meteu em plástico e, agora, está tudo a mudar", critica Vasile Seciu.
Casas construídas segundo as técnicas e tecnologias usadas em Portugal, já que a maioria daqueles imigrantes trabalha na construção civil. Transportam um ou outro material menos pesado nas viagens de férias, mas grande parte é adquirida no próprio país. Já o recheio das casas tem muito equipamento adquirido em Portugal: electrodomésticos, aparelhos de som, lâmpadas e candeeiros, tapetes, etc.
Um contentor por abrir é mais um exemplo da influência da construção portuguesa na Moldávia. Pertence a Ceborati, que se tornou empreiteiro e que, agora, vai iniciar a actividade no país de origem.
Vasile é contabilista, empresário e político. É um dos notáveis da terra. É dirigente do partido comunista e foi presidente da junta de freguesia de Loganesti, cargo que tem esperança em recuperar nas próximas eleições. Identifica toda a gente, sabe exactamente onde é que cada um vive, conhece-lhes as histórias e as estratégias de sobrevivência. Habituou-se a ver partir as pessoas, algumas a regressar, para voltar a partir.
Conta que estão inscritos 4270 eleitores e só votaram 1600 nas últimas eleições. Um terço da população vive no estrangeiro e mais de metade em Portugal, no Algarve.
Vera Rotaru, 60 anos
Gheorge Lepadatu, 62 anos
Cinco netos, dois filhos e o marido constituem a família de Vera Rotaru, 60 anos, assistente hospitalar. Sergei Rotaru, 31 anos, é o que emigrou para Portugal, há dez anos. Actualmente, vive em Lisboa com a mulher e os dois filhos. O outro está em Itália há três anos e deixou os três filhos em Loganesti. "O Sergei saiu há mais tempo e os filhos já nasceram lá. Os outros estão comigo e o meu marido, estão a ser educados por nós. Gostava de ir visitá-los, mas também gostava que os meus filhos estivessem ao pé de mim. Só que não há condições e são obrigados a viver fora do país", lamenta Vera.
Está com a neta mais velha, a Verónica, de 11 anos, "boa aluna", orgulha-se a avó. Esperam a carreira, um veículo que parece ter décadas. A adolescente sonha em juntar-se aos pais na Itália, enquanto vai usufruindo das roupas e das mesadas que chegam pontualmente. Aproxima-se Agosto e ambas as mulheres esperam a visita dos familiares.
Não são os 62 anos de idade que fazem Gheorge Lepadatu temer as viagens e o trabalho fora do país. O que o retém na Moldávia é a falta de oportunidades no estrangeiro. "Gostava muito de conhecer Portugal, mas não tenho oportunidade. Dois dos meus filhos já lá trabalharam e dizem que é bom. Um regressou à Moldávia, o outro ficou. Vive no Sul, numa cidade junto a Espanha. Trabalha numa empresa de construção civil portuguesa mas que tem empreitadas em Espanha. Está lá há sete anos e trabalhou dois anos na Ponte 25 de Abril", conta Gheorge. Tem mais três filhas, uma das quais vive em Israel. "É melhor porque vai com um contrato de trabalho. E ganha-se mais do que em Portugal", acrescenta.
Gheorge trabalha na loja de produtos agrícolas de Vasile Seciu. Alfaias e sementes, alguns dos legumes são importados de Portugal. Têm fama na Moldávia.
As fotografias, as histórias que os filhos contam, os euros, o presunto e outras iguarias que lhes chegam, tornaram Portugal num país "vizinho".
Tatiana Luca, 43 anos
Vasile Luca, 45 anos
Nada resta do prato principal do almoço do restaurante de Tatiana Luca. Uma feijoada à transmontana que aprendeu a confeccionar nos anos em que foi cozinheira em Portugal. "Não sobrou nadinha para o jantar, gostava que provasse, para ver como estava boa", lamenta Tatiana. Fica em Singerei, a 120 km de Chisinau, a capital, terra natal de Tatiana, 43 anos. É um restaurante de preços médios, com esplanada e música ao vivo e que abriu há um ano, um sonho de imigrante tornado realidade. E, todos os dias, a ementa é feita à base da gastronomia portuguesa: "Feijoada, caldeirada, lulas recheadas, camarão, grelhados, entremeada, nunca pode faltar a entremeada grelhada." Com um ou outro prato moldavo, além das sobremesas.
Tatiana espera a visita dos patrões onde trabalhou em Portugal e a quem foi dizendo que iria abrir um restaurante com comida portuguesa. "Eu cumpri a minha parte, agora falta a deles", ri-se. O lançamento foi feito com pompa e com a presença do presidente da junta de freguesia de Singerei. Serviu arroz de marisco, arroz de polvo, lulas recheadas, camarão agridoce e filetes de espada com molho de limão. "Um sucesso!"
Voltou a Singerei em 2008, nove anos depois de ter imigrado para Portugal. "Trazíamos sempre coisas, electrodomésticos e, quando regressámos, até trouxe um presunto inteiro", revela o marido, Vasile Luca, 45 anos, Foi o primeiro a imigrar, em Fevereiro de 1999. Tatiana chegou quatro meses depois. "O restaurante é dela", sublinha.
Vasile foi militar na ex-URSS e chegou a viver na Rússia após a queda do regime comunista, a que continuam a tecer elogios. "Tínhamos casa, educação, cuidados de saúde", justificam. Tempos que lhes deram para comprar dois apartamentos, um dos quais venderam para vir para Portugal: "Tínhamos as coisas, mas não tínhamos dinheiro para as manter", explica Tatiana.
Em Portugal, ele trabalhou nas obras e ela exerceu finalmente o curso de cozinheira que tirara na Moldávia. Imigrantes com jornadas longas. "Ganhava três mil euros, fazia dois horários. Ninguém acreditava e perguntavam como é que conseguia. Consegue-se quando se tem os filhos para criar."
Os filhos, Ioan, de 24, e Radu, de 22, também viveram em Portugal, mas dizem que já não voltavam. Estão envolvidos nos negócios que os pais estão construir e a que chamam "Impierium VIRTIM", o último nome formado pelas iniciais de cada um dos quatro membros. Além do restaurante, têm uma empresa de materiais de construção e outra de táxis. "O Governo moldavo devia apostar nas pessoas que regressam. Dou emprego a 52 pessoas, a telefonista do serviço de táxis tem um curso de assistente social", sublinha Vasile.
O tecto do restaurante imita madeira, as paredes têm pinturas, murais com o mar e até uma imitação forçada do Castelo de S. Jorge. São alguns dos pormenores importados de Portugal. "Recordações. Estou a ouvir português e penso que estou em Portugal. As pessoas são muito simpáticas, riem-se muito. Portugal terá sempre um espaço no nosso coração", diz Tatiana.
Para trás fica um ou outro empregador que não cumpriu os deveres. E a pergunta que faziam constantemente a Tatiana: "Têm televisão na Moldávia?" Mas ela também vinha com imagens erradas: "Cheguei de autocarro e perguntei onde é que estavam as árvores com as bananas", conta. Recorda, ainda, uma noite em que ficou detida no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. Queria saber como podia legalizar-se. "Há e têm o melhor café da Europa", acrescenta.
Entre os clientes estão muitos imigrantes que regressaram à Moldávia. "Gostava de tudo em Portugal, do sorriso, do presunto... do marisco, mas estava cansado. Trabalhava numa empresa de alta tensão no Algarve. Não faltava nada em Portugal, só faltava a minha família", repete Ioan Goras, 43 anos. Viveu no País entre 2000 e 2008, sendo que nos últimos quatro anos trabalhou em Itália e na Grécia com a empresa portuguesa. A mulher chegou a imigrar em 2001, mas regressou dois anos depois.
Ioan ganhava entre 1500 e 2000 euros por mês em Portugal. Recebe, agora, mil euros na Moldávia como taxista. "Trabalho muito. Sou eu que dou dinheiro a ganhar ao patrão!", diz, numa conversa com muitos "pá" e "estás a ver". Expressões que lhe ficaram da vida de imigrante. E ostenta um outro sinal no dedo, o anel do Futebol Clube do Porto. E à provocação "Não sabe que foi o Benfica que ganhou este ano o campeonato?", responde: "Sei, acompanho os jogos. Mas há quantos anos não ganhavam nada?"
Ruslan Delogramatic, 24 anos, taxista, Stefan Andriuta, 29, recepcionista de armazém, e Marin Urecheau, 38, pedreiro, viveram em Portugal, mas nunca conseguiram obter a autorização de residência. É Ruslan que revela ter tido o salário mais baixo na construção civil em Portugal, 800 euros, metade do que ganhavam os outros dois. "Trabalhava menos", admite. Ganham o equivalente a 200 euros na Moldávia. Têm saudades dos euros, dos petiscos, da "sardinha assada" e da "cerveja portuguesa".
Nem Portugal tem bananeiras nem faltam televisões na Moldávia. Mas faltam saneamento básico e infra-estruturas, uma das áreas que o Governo apresenta como sendo um bom investimento para as empresas estrangeiras. Os bens culturais e os transportes, por exemplo, são baratos, mas já a alimentação e o vestuário são caros. E há lojas e centros comerciais com os preços em dólares e euros. Tudo muito limpo, acético e sem clientes à vista. Junto à porta, na rua, uma anciã ganha dinheiro com uma balança, um leu por cada pesagem. Um país onde o ordenado mínimo é 55 euros e o médio, 200, mas há quem peça 50 euros à hora para fazer uma reportagem fotográfica.
A conversa é alargada. Tatiana e os outros ex-imigrantes estão agradecidos. E fazem questão de brindar: "À forma como fomos recebidos no seu país." Tatiana voltou, para receber a nacionalidade portuguesa. Para circular livremente na UE.
Leonid Busuioc, 44 anos
Elena, 17 anos, e Catalina, 21 anos, não frequentam os novos centros comerciais nem as lojas de marca da Moldávia. Mas conhecem bem a Bershka e a Zara. É onde se vestem, roupa que os pais lhes enviavam de Portugal. O país que acolheu os pais e que só conhecem em fotografia. O pai diz-lhes que "é um povo muito bom, simpático e respeitoso". Ao contrário dos moldavos, que classifica de "mais fechados". "Têm uma vida mais difícil", justifica.
O pai é Leonid Busuioc, 44 anos. Imigrou para Portugal em 2000, com um visto de turismo. Começou por trabalhar numa empresa que fazia as infra-estruturas dos terrenos para construção. Mudou quando percebeu que o patrão nunca faria um contrato para poder legalizar-se. "O salário dependia das horas, com horas extraordinárias e sábados podia receber 1300 euros/mês", diz.
Há dois anos teve um problema na vista. O trabalho começava a escassear em Portugal e a economia moldava dava sinais de crescimento. Tem uma cunhada que trabalha num hospital moldavo e achou que o melhor era regressar. Regressou ele e a mulher, Maria Busuioc, 44 anos. Vive em Gratiesti, na periferia de Chisinau. "Pensava que a vida ia melhorar, mas piorou." Acabou o trabalho como segurança de armazém, onde ganhava 150 euros por mês. Faz biscates. Está a fazer as fundações da casa de uma cunhada, emigrante na Itália. E faz melhorias na sua, que tem construído aos poucos.
A mulher voltou a Portugal o ano passado. Ganha 500 euros mensais como empregada doméstica, mas conseguiu um contrato de trabalho para ter acesso à autorização de residência. Chamará Leonid quando o processo estiver concluído. "Até vendo a casa se for preciso, não é só por mim, mas pelas minhas filhas. Estão a estudar e podem ter um melhor futuro em Portugal."
As raparigas gostam da ideia. Tem mar e centros comerciais onde há de tudo, do barato ao caro. É o que lhes contam os pais.
DN
Sem comentários:
Enviar um comentário