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Radio Viseu Cidade Viriato

terça-feira, 22 de junho de 2010

Mortos de ninguém

No espaço de três dias, foram encontrados no Porto seis pessoas mortas em casa, cujos corpos estavam já em estado de decomposição. Em todos os casos, o que chamou a atenção dos vizinhos foi o cheiro. Em comum, a absoluta solidão. São mortos de ninguém.

Na Ribeira, centro histórico da cidade do Porto, onde as relações parecem mais próximas, morreram cinco pessoas nestas condições. Uma delas foi encontrada um mês depois. Só o cheiro intenso denunciou a situação.

Até lá, nada levantou suspeitas: uma persiana que nunca mais se levantou ou o facto de ele não aparecer na rua há um mês. Nada, a não ser quando o cheiro começou a incomodar o próximo. E onde estava o próximo? O que acontece para que alguém morra em casa sem que ninguém dê por isso até um mês ou 15 dias depois?

“O que acontece é que as cidades (e as cidades é onde isto acontece mais frequentemente) fomentam o individualismo, o anonimato, a distância social”, começa o sociólogo Luís Fernandes. Na cidade, o Homem é obrigado a conviver permanentemente com o estranho, criando defesas . É tudo tão grande que tudo pode ser possível, tanto que já nada espanta, “há de facto a falência do espanto. É o cinismo”, explicou.

Uma perda de espanto bem presente nos vizinhos destes mortos de ninguém. “Pois, ele vivia aqui no meu prédio. Impressionado, eu? Nem cá estava...”, disse um dos vizinhos de Manuel Correia Jorge, cujo corpo só foi encontrado um mês depois, numa cadeira, na sua casa, na Ribeira.

“Esse aqui da Lada era estrangeiro. Pois, se era estrangeiro...”, disse um outro, a propósito de outro indivíduo que morava também na Ribeira e cujo corpo também foi encontrado apenas dias depois.

Pelas ruas, cafés e mercearias toda a gente sabe, mas fala-se disso como de outra coisa qualquer: “é a vida, é a vida”. Apenas uma mulher, vizinha de um outro homem foi encontrado morto na sua casa, na Avenida de Rodrigues de Freitas, confessou que “uma coisa destas impressiona muito”.

“Nem vontade tenho de ir à rua. Uma pessoa morrer e só ser encontrada muito tempo depois é uma coisa muito triste”, lamentou.

Em comum, estas pessoas tinham o facto de estarem muito sós. “A maior parte não tem rectaguarda, às vezes não têm filhos, não têm grandes relações com os vizinhos, muitos estão acamados e muitos vivem em casas cuja arquitectura nem lhes permite sair de casa a partir de uma certa idade”, caracterizou Elizabete Correia, assistente social do Centro Social e Paroquial da Vitória, uma IPSS cujo protocolo com o Estado permite apoio domiciliário a 20 pessoas. Para a zona, é pouco.

E é aqui que o Estado deveria entrar em força. “Temos que reforçar o Estado social”, avançou Luís Fernandes. O apoio domiciliário pode e deve ser uma resposta.

“A pessoa que é idosa e não tem ninguém, as pessoas com deficiências ou que estão situação de dependência podem pedir este apoio, que engloba refeições, higiene pessoal, lavandaria e higiene de habitação. Pode pedir isto no centro de saúde, na junta, por exemplo, ou ir directamente à Segurança Social que dará o apoio directamente ou encaminhará o caso para uma IPSS local”, explicou Elizabete Correia.

E depois é preciso fomentarem-se laços entre vizinhos. “É o que tentamos fazer com o Dia Mundial do Vizinho. Sensibilizamos câmaras e outras entidades para que promovam, uma vez por ano, festas em diversos bairros habitacionais, para as pessoas conhecerem-se: a ideia é combater a exclusão”, disse Sandro Bernardo, coordenador desta iniciativa.

Diferenças do papel e da prática

António Manuel Oliveira Moreira vive na Rua da Lapa, nº11, no Porto. Aparece à porta ligado a tubos e a máquinas de oxigénio devido a doença pulmonar obstrutiva crónica. Mal consegue falar ou andar. Vive só.

Tem uma ajuda da Segurança Social, que lhe paga o quarto, mas dos 240 euros de reforma, ainda tem que pagar uma espécie de apoio domiciliário que se resume a comida. Garante que a Junta de Cedofeita lhe leva uma refeição, mas que a deixa à porta.

Garante que ninguém lhe explicou que, na sua situação – que é de limite – tem direito a apoio domiciliário, que engloba refeição, higiene da casa e pessoal. “Não tomo banho desde Janeiro e eu tomava banho e fazia a barba todos os dias”. Este homem está completamente abandonado. Nem família, nem Estado.

JN

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