Foi caçado quase até à extinção, mas o javali está de volta... graças às reservas de caça. Não se sabe ao certo qual o número exacto, mas os especialistas dizem que deverá ter triplicado nos últimos 20 anos. E é frequente vê-lo a chafurdar na lama nas terras do Alentejo.
Quando o javali mergulha na lama e se ouve dizer que está a chafurdar, a expressão pode sugerir um comportamento pouco ortodoxo, pelo menos, aos olhos dos humanos. Mas o que mais parece um fetiche das horas vagas, ou seja, quando não está a comer, é bem mais do que isso. O javali precisa dos banhos de lama como se de uma necessidade fisiológica se tratasse. E até nas relações com o resto da comunidade desta espécie, mesmo à hora de acasalar, o ritual perfila-se como "sublime".
A primeira função destes curiosos, se bem que aparentemente pouco higiénicos, banhos de lama visa regular a temperatura do corpo desta espécie, sendo das poucas que não transpiram, devido ao tipo de glândulas sudoríparas atrofiadas. Sobretudo nos meses de Verão, o animal chega a atingir temperaturas corporais elevadíssimas, quase incompatíveis com a sua própria sobrevivência, ameaçada de uma fatal desidratação, que já se encarregou de roubar algumas vidas.
João Vilela já sentiu na pele o desespero de "javalis em brasa", como os adjectiva, quando no Verão de 2005, na sequência de uma seca feroz e perante temperaturas de 40 graus, se deparou com quatro animais deitados sobre melancias, melões e tomates esmagados numa pequena quinta de que é proprietário na Vidigueira. Num trabalho de equipa, derrubaram uma cerca, com perto de dois metros de altura para chegarem às hortifrutícolas.
"É verdade que estavam a comer também, mas percebia-se que a sua intenção era refrescarem-se, porque se deitavam no chão, procurando com o corpo criar alguma lama com o sumo dos frutos", recordou, tendo ficado a saber depois que alguns vizinhos da zona - onde a espécie abunda - assistiram a cenários idênticos, justamente porque a falta de água deixou a serra do Mendro (entre Vidigueira e Portel) completamente seca.
Além deste quadro mais radical, os banhos de lama têm ainda um papel de relevo nas relações sociais entre os javalis, funcionando mesmo como sedução (ou será afrodisíaco sexual?) na época do cio, levando a que a partir de Novembro apenas os machos adultos vão "chafurdar" na lama, para garantirem a manutenção dos respectivos odores corporais, com recurso à criação de uma camada de barro bem agarrada ao pêlo.
Os historiadores falam de um animal muito antigo, que vai muito para lá dos anos dourados da banda desenhada em que Obélix não os dispensava na mesa. Muito antes já o javali era desenhado pelos homens das cavernas, não só pelo sabor suculento, mas também porque representava agressividade, bravura e rapidez.
Pode não parecer, levando em conta os mais de 100 kg de peso, mas este animal atinge velocidades loucas, correndo em linha recta, e é um exímio nadador, o que lhe permite cruzar ribeiros à procura de comida, utilizando a força do focinho para derrubar cercas e até levantar pedras cravadas no solo. É aqui que este peculiar apreciador de lacraus encontra alimento, graças ao seu olfacto e audição apurados.
DN
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