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sexta-feira, 26 de novembro de 2010

O declínio dos cavalos marinhos

O declínio dos cavalos marinhos
A ria Formosa, no Algarve, era em 2002 o local do mundo com maior densidade da espécie, com uma população estimada de dois milhões de indivíduos. Seis anos depois, já só havia 300 mil cavalos-marinhos. Um projecto premiado pelo Oceanário vai estudar o problema e propor soluções

Em 2002, quando a investigadora canadiana Janelle Curtis fez a primeira avaliação das populações de cavalo-marinho da ria Formosa, descobriu para grande entusiasmo da comunidade internacional dos biólogos, incluindo dos portugueses da Universidade do Algarve, que lhe deram apoio logístico no trabalho de campo, que aquele ele era o local do mundo com a maior densidade absoluta de populações deste animal marinho.  Nessa altura, ela calculou que haveria ali cerca de dois milhões de cavalos-marinhos de focinho comprido (Hippocampus guttulatus). A ria Formosa estava assim sinalizada pelos melhores motivos, e os jovens que pretendiam fazer doutoramento nesta área começaram a rumar a Faro.

Depois de Janelle Curtis, veio em 2007 um outro canadiano, Iain Caldwell. Como a sua antecessora, também ele estava a fazer o doutoramento na mesma área e, também como ela, tinha por orientadora Amanda Vincent, da universidade de British Columbia, em Vancôver, uma das gurus mundiais dos estudos sobre cavalos-marinhos.

Caldwell começou por fazer a observação das populações de Hippocampus guttulatus nos mesmos locais estudados por Janelle. Miguel Correia, um jovem biólogo do grupo de Biologia Pesqueira e Hidroecologia do Centro de Ciências do Mar da Universidade do Algarve, começou a trabalhar com ele. Só que, desta vez, as notícias eram alarmantes: os dados recolhidos indicavam que as populações da espécie tinham sofrido um declínio de 85%. Em seis anos, um curtíssimo período de tempo, os cavalos-marinhos passaram de dois milhões para cerca de 300 mil na ria Formosa. Que se passava? Ninguém sabia responder.

"Era preciso estudar a questão", diz José Pedro Andrade, que coordena o Grupo de Biologia Pesqueira e Hidroecologia. "Miguel Correia conseguiu uma bolsa de doutoramento para estudar a ecologia, distribuição e abundância de cavalos-marinhos na ria, e um outro investigador, Jorge Palma, iniciou uma linha de trabalho para a sua reprodução em cativeiro".

Foi só o ponto de partida. Delinear um projecto de investigação para estudar o problema era o caminho certo, e foi isso que equipa fez. Esse projecto, "Cavalos-marinhos em risco na ria Formosa?", foi agora um dos vencedores do InAqua, um fundo criado pelo Ocenário de Lisboa e o National Geographic Channel para apoiar este tipo de investigações, em que a conservação é pedra de toque . O financiamento, de 10 300 euros para dois anos, vem em boa hora. "Foi a única forma de conseguirmos financiar o trabalho", sublinha José Pedro Andrade, que é também o seu coordenador.

A equipa vai para o terreno já em Dezembro. "Vamos alargar o raio de acção das observações na ria, para além das zonas que os dois biólogos canadianos já estudaram em 2002 e 2007", explica José Pedro Andrade.

Uma possibilidade para explicar o desaparecimento dos cavalos-marinhos poderia ser uma deslocação das populações, dentro da ria, para outros locais. Por isso, alargar a amostragem também servirá para tirar teimas, mas o coordenador do projecto considera a hipótese "muito remota". Um outro indício, observado  na ria, nos últimos anos, por outros investigadores do Algarve, aponta uma perda de habitat.

Com o seu focinho pontiagudo, o cavalo-marinho tem apenas uma barbatana dorsal e duas peitorais muito pequenas, o que lhe dá uma capacidade de locomoção limitada. Desloca-se muito devagar através das águas, como num filme em câmara lenta. Vale-lhe a cauda, que enrola em torno das plantas marinhas, como Zostera marina e a Cymodocea nodosa, que sobem do fundo em filamentos, e aos quais  se fixa, para não ir nas correntes.

Nos últimos anos, no entanto, estas pradarias, como se chamam as extensões de plantas marinhas que constituem o habitat da espécie, sofreram uma diminuição acentuada na ria, e isso poderá estar na origem do declínio das populações de cavalo-marinho. Outra observação, que aponta exactamente nesse sentido, é a de que cada vez mais se encontram estes animais em pontos de fixação que antes não utilizavam, como as amarrações de bóias ou ramos imersos, como se procurassem uma alternativa para sobreviver.

"A diminuição das pradarias poderá ter a ver com a própria dinâmica da ria", diz José Pedro Andrade. Por isso, o projecto, além da observação das populações, estudará também a hipótese de pradarias artificiais, que deverão ser testadas na própria ria, no  fim do projecto.

DN

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