António Spínola queria voltar ao poder através de um golpe de Estado e "eliminar fisicamente" os adversários políticos, disse o jornalista Guenter Wallraff, que em 1976 se encontrou com o general na Alemanha, disfarçado de traficante de armas.
"Nas conversas que tive com ele em Dusseldorf, disse-me que precisava de armas para exterminar fisicamente os adversários", garantiu Wallraff em entrevista à Agência Lusa, em Berlim.
Em 1976, o jornalista, já então famoso pelas reportagens "undercover", conseguiu infiltrar-se no MDLP liderado pelo ex-Presidente da República, disfarçado de nacionalista germânico que forneceria armas ao movimento.
Wallraff recordou o episódio que serviu de base ao seu livro "Aufdeckung einer Verschwoerung - die Spínola Aktion" ("A Descoberta de uma conspiração, a acção Spínola", ed. Bertrand, 1976), nas vésperas do 35.º Aniversário do 11 de Março, o golpe que levou o militar do monóculo a fugir do país e a criar o MDLP, uma força clandestina anti-comunista.
"Eu estava a trabalhar numa cooperativa em Portugal, a Estrela Vermelha, e resolvi ir ao Norte, à Póvoa do Varzim, a um local de encontro dos terroristas", contou Wallraff.
O jornalista, hábil a representar, estabeleceu contacto com a organização de Spínola, dizendo que trabalhava para Franz-Josef Strauss, conhecido pelas suas posições conservadoras e líder dos democratas cristãos da Baviera.
Conquistada a confiança dos interlocutores lusos, chegou a ter "encontros secretos" nas montanhas de Portugal com os seus líderes, a quem prometeu armas.
Regressado à Alemanha, em Março de 1976, Wallraff recebeu um telefonema, indicando que o "general Walter", nome de código de Spínola, iria pessoalmente a Dusseldorf falar com ele e com os elementos da sua "organização".
Spínola chegou, "com a gola do sobretudo levantada, e de óculos escuros", e só quando, no hotel onde se reuniram, tirou os óculos e pôs o monóculo que o celebrizou, Wallraff soube quem tinha pela frente.
"Eu nem queria acreditar, era o lendário ex-Presidente da República, o ex-guia da Revolução dos Cravos", disse o jornalista alemão, hoje com 68 anos.
Wallraff recordou ainda que as conversas que tiveram foram "escaldantes", e que Spínola lhe disse que a sua organização já tinha pontos de apoio no Alentejo, e estava prestes a tomar o poder.
O facto de Spínola lhe ter dito que queria armas para exterminar fisicamente os adversários levou depois a que as autoridades suíças, a quem Wallraff entregou provas, o detivessem e extraditasse mais tarde para o Brasil.
Durante algum tempo, Wallraff também evitou ir a Portugal, "porque era perigoso", diz, e mesmo na Alemanha foi alvo da fúria da extrema direita, que lhe incendiou o escritório e destruiu o arquivo.
Mas o escritor e jornalista alemão continua a ter amigos em Portugal, adora Lisboa e revelou à Lusa que em breve irá a Lisboa visitar a filha do falecido cantor José Afonso, de quem foi amigo.
"Tenho recordações muito nostálgicas de Lisboa, e quero voltar para desfrutar do ambiente da cidade", disse Wallraff, lamentando a extinção das cooperativas criadas pela Reforma Agrária no Alentejo.
"Os latifundiários voltaram, é trágico", desabafou o jornalista alemão, que continua a ser uma figura polémica, e a pôr a nu injustiças sociais no seu país.
Jornal de Noticias
Sem comentários:
Enviar um comentário