Câmaras municipais continuam a liderar lista das entidades com mais processos relativos a crimes de corrupção. E na administração central são as forças de segurança
Das duas uma: ou a percepção social da corrupção em nada tem a ver com os processos que, de facto, existe nos tribunais, ou estes apenas conseguem investigar e punir a pequena corrupção. Dados de um estudo - que incidiu sobre uma amostra de 838 processos entre 2004 e 2008- revelam que, na maioria dos casos, o suborno em causa fica-se por valores baixos que oscilam entre os 100 e os 500 euros (ver infografia).
Os números constam do estudo realizado pelo Centro de Investigação e Estudos Sociológicos (CIES) do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE) e pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP). A análise incidiu apenas sobre os processos em curso nos tribunais. Por isso, durante a sessão de apresentação das conclusões que decorreu ontem, houve alguma discussão à volta das chamadas "cifras negras", isto é, dos casos que não chegam ao conhecimento dos tribunais.
Numa análise global ao estudo, o seu coordenador, Luís de Sousa, declarou que o sistema judicial "consegue detectar a corrupção de pequeno porte".
Uma das novidades que a análise dos investigadores trouxe é que, nos actos de corrupção, a iniciativa da abordagem é feita, maioritariamente (52,5%), por quem pretende corromper (o agente activo), e só em 10% dos processos estudados é que o primeiro passo partiu do funcionário público. "Os dados confirmam a percepção generalizada de que o problema da corrupção em Portugal não resulta de uma cultura predadora por parte dos funcionários públicos", concluíram os investigadores. A estes dados acresce o facto de o local da abordagem não ser - como, em tese, faria sentido - o local de trabalho do alvo da corrupção (funcionário), mas sim o do corruptor activo (35,1%).
No período estudado, as autarquias locais surgem a liderar a lista dos organismos públicos onde se verifica mais corrupção, com 68,9% dos processos registados. Seguem-se as empresas municipais e as freguesias. "O poder local é o principal foco de corrupção participada", diz o estudo. Os investigadores adiantam alguns factores: o aumento de volume de negócios e a diversificação de intervenção das câmaras, a desordem e complexidade normativa em vários domínios, como o urbanismo ou o licenciamento comercial, que geram "negociação" interpretativa da lei e da disciplina a aplicar, entre outros.
Para prevenir a continuidade de tais fenómenos, Guilherme d'Oliveira Martins, presidente do Tribunal de Contas, deixou a receita: "É indispensável combater a burocracia e evitar que haja legislação muito complexa. A lei tem de ser clara e, sobretudo, a prova tem de ser fácil."
Na administração central do Estado, a lista é encabeçada por organismos ligados ao Ministério da Administração Interna, sobretudo relacionados com casos de corrupção nas forças de segurança, PSP e GNR.
Em termos de distribuição geográfica, os distritos do Porto (38,5%) e de Lisboa (29,7%) apresentam dois terços dos processo instaurados. O estudo conclui, também, que mais de metade dos casos terminam em arquivamento. E todos com os mesmos motivos: falta de provas.
DN
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