O Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, pretende estender os seguros de saúde a todos os americanos e impedir que as seguradoras recusem cobertura em caso de doença. O modelo aproxima-se do português e de outros países da Europa, que é universal e público.
Grace Johnson é americana e vive entre Portugal e os Estados Unidos. A empresária gosta desta vida agitada, mas admite que não é muito saudável. Quando precisa de cuidados médicos urgentes, como uma vez que caiu de cama com uma amigdalite, não se inibe de procurar um médico em Portugal, mas, se puder, prefere esperar pelo regresso a casa para fazer os tratamentos.
"Mas só porque tenho um bom seguro de saúde", garante Grace. Paga 90 dólares por mês (66,5 euros), que lhe cobrem todas as especialidades médicas, à excepção de oftalmologia e odontologia. No entanto, os primeiros 300 dólares (221 euros) de despesas clínicas anuais são da sua responsabilidade e a partir desse valor ainda paga mais 10% por cada consulta ou tratamento. "É caro, mas compensa. Tenho à disposição os melhores médicos e tecnologias de ponta em quase todas as especialidades."
Grace faz parte de uma pequena elite americana que tem acesso aos melhores cuidados de saúde. Nos Estados Unidos, o sistema de saúde, ao contrário do que sucede em Portugal, é liberal e privado: está nas mãos das seguradoras.
Há 158 milhões de americanos que têm seguro através da entidade empregadora, que lhe desconta, mensalmente, um valor fixo do ordenado. Outros 15 milhões têm contratos directos com as seguradoras. Finalmente, 42 milhões de idosos beneficiam do Medicare e 35 milhões de pobres do Medicaid (dois subsistemas custeados pelo Estado). Ainda assim, sobram 32 milhões de americanos que não têm cobertura na assistência à doença. Ou porque são trabalhadores com salários demasiado baixos para conseguirem pagar um seguro ou porque a empresa não o consegue subsidiar.
É a pensar nestes doentes que o Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, pretende pôr em prática a actual reforma de saúde, que está a dividir democratas e republicanos. Isto porque Obama pretende tornar os seguros obrigatórios para todos (suportando parte dos custos daqueles que não conseguirem pagar), aumentar os impostos aos mais ricos (transferindo as verbas para a saúde) e proibir certas práticas das seguradoras, como recusar-se a fornecer cobertura a pessoas com condicionamentos de saúde.
"Trata-se de um passo na democratização e universalidade no acesso à saúde", admite Manuel Delgado, director do Hospital Curry Cabral, em Lisboa.
"Sem a reforma, a tendência seria para que o número de pessoas sem seguro começasse a subir", garante o médico de saúde pública Constantino Sakellarides.
Em Portugal e nalguns países da Europa, pelo contrário, o sistema de saúde é público e universal, pago com os impostos de todos. Só tem seguro de saúde quem quer. "Os europeus têm um plano baseado no financiamento das famílias, o americano no risco da pessoa, ou seja, quanto maior for o risco de saúde, mais paga", explica Delgado.
Na base desta disparidade de sistemas estão razões históricas, explica Sakellarides. "A evolução do sistema europeu esteve condicionada pela Revolução Industrial e pelas tensões sociais que ela gerou, que viriam a dar origem a princípios como solidariedade, em que cada um paga o que pode, e Estado-Providência, em que se paga quando se está bem para ter acesso a cuidados quando se está mal e não se pode pagar."
Já nos EUA, a cultura e filosofia estão viradas para a pessoa no princípio do self made man. "Cada pessoa deve ser conseguir ser próspero. A ideia é que os capazes merecem mais do que os não capazes", diz Sakellarides.
O problema, diz Delgado, é que este modelo origina um desequilíbrio na distribuição dos cuidados de saúde. "Uns têm acesso ao melhor e outros não têm acesso a nada." É neste contexto que se explica porque os índices de saúde norte-americanos são piores do que os portugueses: a mortalidade infantil, por exemplo, está nos 6,3 casos em mil, enquanto em Portugal se situa nos 3,4. Por outro lado, embora a esperança média de vida do homem norte-americano seja igual à do português, 75 anos, elas vivem menos cerca de dois anos (de 79 para 81).
No entanto, são os Estados Unidos que mais gastam com a saúde: 16% do PIB, ou seja, 7600 euros por pessoa, por ano, enquanto Portugal se fica pelos 10% (1200 euros). "As clínicas e hospitais bem equipados conseguem atrair mais doentes, mas também prescrevem, muitas vezes, tratamentos excessivos, apenas por razões económicas", denuncia Manuel Delgado.
"Estes gastos com a saúde nos EUA derivam desta capacidade que a oferta tem de se impor à procura, criando novas necessidades", conclui o responsável.
DN
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