"Diacetato de glicerilo" diz-lhe alguma coisa? Diz-lhe mais do que imagina. É a designação quase iniciática de um composto químico e consta de uma directiva comunitária que estabelece os critérios de pureza específicos de aditivos alimentares.
O exemplo serve para exprimir o gigantismo legislativo comunitário. Dos regulamentos, directivas e decisões mais conhecidos (alguns exemplos na coluna ao lado) aos instrumentos jurídicos mais obscuros emanados das instituições comunitárias, "uma percentagem muito significativa das disposições legais que regem o nosso quotidiano e que nos impõem deveres e concedem direitos tem origem directa ou indirectamente no ordenamento jurídico europeu", explica Patrícia Salvação Barreto, professora de Direito Europeu.
Regulam matérias tão complexas e tão distintas como a circulação de pessoas, mercadorias e capitais, a quantidade de poluentes que as indústrias podem largar, as marcas que as vacas ostentam nas orelhas, o tipo de plástico que pode estar em contacto com alimentos, regras de segurança de medicamentos e brinquedos, normas sobre rotulagem de produtos, direitos de autor e até as "frases tipo" que apresentam as precauções a tomar com produtos de tratamento de plantas.
Só no "Repertório da Legislação Comunitária em Vigor" estão registados 17.114 actos, entre regulamento, directivas e decisões. Mas Patrícia Salvação Barreto calcula que existam outros tantos actos relativos a outros tipos de instrumentos que também influenciam as leis nacionais. Muito mais de dois terços dos comandos do nosso ordenamento jurídico derivam do direito comunitário.
Destinadas a mais de 500 milhões de pessoas jurídicas (cidadãos, empresas e outras entidades), representam uma área muito mais vasta do que aquela em que o Governo dos Estados Unidos está habilitado a intervir e não encontra paralelo noutras organizações internacionais, observa a especialista. Mas não significa que os estados-membros cederam toda a sua soberania ou que abdicaram completamente do poder legislativo nacional.
Em primeiro lugar, as áreas que mexem com as traves mestras dos ordenamentos jurídicos dos estados, com as suas idiossincrasias, com a sua maneira de ver o Mundo e de organizar as sociedades, continuam a ser reserva dos poderes desses estados, por sua própria decisão.
Em segundo lugar, o mecanismo legislativo comunitário de co-decisão exprime em parte a disponibilidade dos estados em cederem a sua soberania. O projecto de uma directiva, por exemplo, parte da Comissão, que representa o interesse geral da União Europeia e deve apresentar a sua fundamentação política e técnica. Mas necessita do acordo do Conselho, onde os governos representam os interesses nacionais, e do Parlamento Europeu, que representa os interesses dos povos e resulta do sufrágio universal e directo.
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