A Agência das Nações Unidas sobre a Droga e o Crime reconhece, no seu relatório anual, que a discriminalização do consumo em Portugal não teve os efeitos perniciosos que previra. Mas alerta para um alegado aumento do tráfico de cocaína.
Segundo o Relatório Mundial sobre Droga de 2009 da UNODC, Portugal foi, em 2006, o sexto país do mundo com mais apreensões de cocaína, com 34,5 toneladas, sete vezes mais do que em 2001. E, no m esmo período, viu os homicídios crescer 40%. Dados a partir dos quais conclui por um aumento rápido do tráfico, que relaciona com o "uso da Guiné Bissau e de Cabo Verde como países de trânsito" . Isto porque 52% das detenções em Portugal por tráfico em 2007 (ano em que as apreensões desceram para 7,4 toneladas) envolveram cabo-verdianos e outras 12% implicaram guineenses.
O presidente do Instituto da Droga e Toxicodependência (IDT) rejeita associar o aumento de apreensões a um crescimento da quantidade de cocaína presente em Portugal. E prefere atribuir os resultados a uma mais efectiva actividade das forças policiais e aduaneiras. Como, por motivos geográficos, o nosso país ser uma das principais portas de entrada daquela substância para a Europa, "as apreensões indiciam sobretudo uma operacionalidade e eficácia muito grande", aliada a uma maior cooperação internacional na luta contra o tráfico.
"Depois de um primeiro momento após a descriminalização do consumo de droga, em que parecia que as forças policiais perderam uma importante fonte de informação no combate ao pequeno tráfico, viraram-se para tráficos mais altos", diz João Goulão. Que aproveita para saudar o facto de a UNODC reconhecer que o fim da criminalização da posse de droga para consumo próprio, implementado em 2001, não correspondeu a aumento dos problemas relacionados com droga e favoreceu o tratamento em vez da penalização. Isto depois de aquela agência da ONU ter sido particularmente crítica em relação à política de combate à droga.
Sem querer estabelecer uma razão causa-efeito entre a descriminalização e a quebra do consumo entre os mais novos, João Goulão garante que a medida não teve os efeitos perniciosos previstos. Conclusão a que já chegara, de resto, o investigador americano Glenn Greenwald, num estudo recentemente apresentado no Cato Institute de Washington. E desde o qual a curiosidade internacional pela política portuguesa não tem parado de crescer.
No que toca à associação entre o aumento de homicídios - apesar de ainda assim a UNODC considerar Lisboa uma das cidades mais seguras da Europa - e um alegado crescimento do tráfico, o presidente do IDT garante não haver dados que a comprovem. Mas admite que a mudança nos padrões de consumo possa ter alguma relação com a criminalidade violenta. Quando o consumo mais problemático era a heroína, havia uma ligação com a pequena criminalidade, "normalmente sem violência física". O aumento do consumo da cocaína - 0,6% da população dos 15 aos 64 anos usara-a pelo menos uma vez em 2007, contra 0,3% em 2001 - "pode estar relacionado com a subida da criminalidade violenta".
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