Mais de um terço dos hipertensos diagnosticados nos centros de saúde afinal não o são. E acabam por seguir um tratamento desnecessário. Ora, se o Estado apostasse na monitorização ambulatória, pouparia 23% dos gastos.
É a chamada síndroma da "bata branca". A ansiedade resultante da ida ao consultório e da presença do médico e a medição casual da hipertensão arterial, durante a consulta, juntam-se para construir um diagnóstico de hipertensão. Que leva a um tratamento que, em casos de hipertensão arterial leve a moderada, custa, em média, 0,65 euros por dia. A que se soma a necessidade de consultas recorrentes, a um custo de 41 euros para o Estado. Mais análises frequentes a cerca de 15 euros.
Ora, segundo um estudo desenvolvido no Centro de Saúde de S. João, de todos os diagnosticados como novos hipertensos, 38,7% são estes "hipertensos de bata branca" (HBB). E nem sequer apresentam riscos elevados de doença cardiovascular. O trabalho, coordenado pelo médico e docente Paulo Pessanha, concluiu mesmo que, se usasse a "monitorização ambulatória da pressão arterial de 24 horas" (MAPA), o Estado pouparia 22,6% do que gasta com a hipertensão.
O MAPA foi, de resto, o método utilizado para despistar os HBB entre os utentes do centro de saúde de S. João, com aparelhos que a unidade (que depende do Ministério do Ensino Superior, e não do da Saúde) conseguiu através de patrocínios e ganhos em gestão. Porque o Ministério da Saúde não paga estes equipamentos: custam de três mil euros, mas podem ser usados indefinidamente. E consistem num processo muito simples. O utente usa uma braçadeira durante 24 horas, mantendo a sua actividade diária normal (incluindo exercício e sono).
"Cerca de 38% eram HBB, que iríamos medicar se não tivéssemos estes aparelhos", explicou Paulo Pessanha ao JN. Estes utentes precisam apenas de monitorização, como qualquer outro, com "uma consulta e umas análises por ano". Isto quando um verdadeiro hipertenso precisa, no mínimo, de três.
Uma vez confirmada a taxa de HBB descrita internacionalmente, os investigadores procuraram avaliar o risco cardiovascular dos HBB. Estudaram factores como o sexo, a idade, a obesidade, o tabagismo, a dislipidemia, a diabetes e a história familiar: E concluíram que os HBB nem sequer são doentes de tanto risco quanto os verdadeiros hipertensos. "Daí a benignidade da situação", diz Paulo Pessanha.
"O problema é que o Serviço Nacional de Saúde não tem destes aparelhos, nem comparticipa o seu uso", lamenta o médico, lembrando que cada exame MAPA fica por 65 euros (uso do aparelho 24 horas e relatório do exame). Mas é o meio de diagnóstico mais rigoroso que existe. E, com os aparelhos à disposição gratuitamente, "poupa-se em medicação, em exames e em consultas". Poupa-se quase 23% em dois anos, contas feitas a mil utentes diagnosticados sem seguimento MAPA (ou seja, incluindo os HBB) e para uma terapêutica para hipertensão ligeira a moderada. "Um hipertenso grave toma três vezes mais medicação". A sugestão que fica deste trabalho - galardoado com uma menção honrosa nos prémios Bial 2008 - é a de que a aquisição, pelo Estado, de aparelhos de MAPA tem uma "relação custo/benefício favorável".
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