Páginas

So faltam meses, dias, horas, minutos, e segundos para o ano 2012

Madeleine

Banner1
Click here to download your poster of support

Radio Viseu Cidade Viriato

domingo, 28 de junho de 2009

Com a morte de Michael Jackson, extingue-se o ícone de uma geração cujos modos de fruição musical foram radicalmente modificados pelo videoclipe...

Rara vez a morte de um homem terá suscitado comoção tamanha como o passamento de Michael Jackson.


Porque o cantor norte-americano, cujas bizarrias terminais ofuscaram injustamente uma carreira longa e sólida, estava para lá da dimensão humana - o artista era, antes de mais, um ícone transgeracional à escala planetária, reconhecível desde a caverna mais recôndita do Indu Kush medieval até aos confins selvagens da Patagónia. Porque tudo o que a ele respeita é aferido à escala da desmesura: foi um dos poucos artistas a entrarem duas vezes no Rock Hall Of Fame, averbou 19 Grammy a solo e seis com os Jackson Five; alçou 41 canções ao cume dos top internacionais e registou vendas globais de 750 milhões de discos! Jamais alguma estrela cintilou tão intensamente no firmamento do universo Pop.


O êxito começou a ser construído cedo, é certo - com 13 anos, acolitado pelos irmãos Jackson, Michael já colocava quatro músicas nos top internacionais - mas será em 1982, com o lançamento de Thriller, que aquele explode. Em larga medida, graças à projecção proporcionada por um canal de televisão nascido um ano antes com o revolucionário conceito de difundir videoclipes: a MTV. Depois dele, a vida de Michael Jackson nunca mais foi igual. Nem a da geração que lhe foi contemporânea e tomou o nome por empréstimo nos manuais de Sociologia. É ela que chora, mais do que qualquer outra, a morte do rei da Pop, que deixa só nesse trono duvidoso a rainha, Madonna. Um e outra foram o produto mais conseguido da MTV. Depois deles, haverá capacidade de construir ícones globais e duradouros? E que impacto teve a MTV nos modos de fruição da música popular ? Será possível que uma canção sobreviva, hoje, à imagem do artista?


Thriller é um disco de superlativos: a chancela Epic (Sony Music) cita 104 milhões de cópias vendidas. O disco, que ganhou oito Grammys, ficou 80 semanas no Top 10 dos EUA (37 semanas em primeiro lugar), onde colheu 27 discos de platina e foi o único álbum que liderou as vendas durante dois anos consecutivos (1983 e 1984). Foi disco de platina ou diamante em 16 países, entre eles Reino Unido, França, Japão e Portugal (com meio milhão de espécimes), e, das nove músicas que o compõem, sete foram convertidas em single.


Mas Thriller marcou o universo da música Pop de forma mais profunda, estrutural até, quando foi associado à MTV. Significativamente, o canal foi lançado, a 1 de Agosto de 1981, com o videoclipe Video Killed the Radio Star, dos The Buggles. Com uma programação restrita aos vídeos das músicas mais difundidas pelas rádios, impunha-lhes como limite máximo a duração de três minutos, que foi amplamente excedido pelo vídeo de Thriller (com 14 minutos), um produto completamente inovador à época.


Ao convidar John Landis para realizá--lo, Jackson estabeleceu um novo padrão para o formato - até então, os videoclipes custavam em média 100 mil dólares; Thriller custou 500 mil, recorrendo a efeitos especiais de ponta nunca vistos - provocando efeitos nos consumidores de música Pop que a indústria fonográfica jamais imaginara. Porque a repetida passagem de Thriller na MTV - Jackson foi o primeiro cantor afro-americano a passar regularmente naquele canal - mudou radicalmente as formas de fruição musical, gerando fenómenos globais como Madonna e Michael Jackson, ídolos capazes de levar estádios ao delírio com produções cénicas faraónicas e estabelecer padrões estéticos que foram assimilados por toda uma geração. Jackson foi um dos seus emblemas por ter sido não apenas músico, mas também imagem. E isso mudou tudo.


Tozé Brito, músico e produtor, recorda ainda a época, "pelo final dos anos 1960, início dos 1970, em que a única imagem do artista era a foto na capa do disco". Nessa altura, "a maioria das vezes, não havia uma imagem associada às canções, não se fazia ideia absolutamente nenhuma de quem cantava, da estética associada à canção". Todavia, "a partir da MTV, há êxitos que acontecem só por terem grandes videoclipes, cujo impacto era significativo", afirma.


Afinal, aquela foi a década da criação dos ícones globais de um novo tipo, conforme assinala Clara Sarmento: "Os anos 1960 e década seguinte geraram ícones com uma mensagem política e ideológica muito forte; na década de 1980, porém, à mensagem ideológica sobrepõe-se o primado da imagem, é a era do ídolo das multidões que se instala na longa duração propiciada por toda uma estruturação semiológica, designadamente com a MTV", diz a docente de Estudos Interculturais do ISCAP.


Clara Sarmento concorda, também, que a relação com a música foi alterada pela inclusão da imagem, gerando um novo produto: a música física. "Quem é que está a ouvir a Beyoncé se estiver a olhar para ela?", interroga-se aquela analista, com justificado sarcasmo. Será mais fácil recordar--lhe o corpo do que a voz...


O culto da imagem associada à música agudizado pela MTV ficou expresso, de resto, com o advento dos neo-românticos (ABC, Duran Duran, Spandau Ballet e Orchestral Manouvers In The Dark, entre outros) e a sua imagética sofisticada, barroca até, desses percursores das boys band - agremiações de indivíduos segundo padrões de estética corporal que podem cantar.


A essa relação dialéctica entre a música e a imagem ninguém ficou imune, nem mesmo aqueles que, aparentemente, afirmavam querer combatê-la: "Na geração MTV, houve também um movimento de contra-imagem mas que visava, isso sim, a construção de uma outra imagem, criando toda uma moda alternativa que, na verdade, era tão comerciável como a mainstream", recorda Sarmento. E, neste âmbito, é pradigmático o ar negligé preocupado dos góticos, com bandas como Siouxsie & e Banshees ou os The Cure...


Entretanto, quase tudo mudou nos anos 1990. As novas tecnologias da informação trouxeram a vertigem da imagem instantânea e replicada até à exaustão, gerando um enorme déjà vu. Se a década de 1980 cria ídolos, modas e imagens que permanecem pelo seu conceito pioneiro, em que o Thriller de Jackson ou Like a Virgen de Madonna comportam o choque e a novidade, na década seguinte dilui-se, não só porque já tudo é permitido, mas também porque ocorre a fragmentação da imagem pela multiplicação dela, alega Sarmento.


A qual nota ainda que, também nesta mudança de paradigma, Jackson foi icónico, mas pelos piores motivos: "A ironia com o próprio Michael Jackson, que é um exemplo perfeito da desaquação aos novos tempos, é que não conseguiu a transição entre o início da importância da imagem da geração MTV e o primado absoluto da imagem nos anos 90, tornando-se numa caricatura dele próprio. Nesse sentido, ele é um ícone irónico, ao contrário de Madonna, que se reinventa perfeitamente", diz.


E as tentativas de obstar ao primado da imagem acabaram por ser consumidas por ela própria, como se percebeu com os Nirvana do malogrado Kurt Cobain. O seu empenho em recusar o culto da imagem acabou, outrossim, por se constituir como moda institucionalizada: o grunge das camisas de flanela e cabelo revolto.


Com a Internet (difusão) e a massificação dos meios de gravação digital (produção), acentuou-se o paradoxo: a quantidade massiva de imagens em circulação levou também à sua fragmentação, tornando difícil, senão impossível, gerar um substituto que ocupe o trono vacante da Pop. "Hoje em dia, para esta nova geração entre os 10 e os 18 anos, é indissociável a música da imagem do artista. Aliás, fenómenos de popularidade como os Tokyo Hotel só existem graças à imagem, porque sem ela a sua música não sobreviveria", garante Tozé Brito, não sem assinalar que se trata, todavia, de bandas votadas ao efémero.


E sem legado. "Não podemos ser nostálgicos de algo virtual", repara Sarmento, sublinhando que a diferença da geração MTV para a geração Internet é que aquela cultivava a imagem mas adquiria o suporte físico da música, ao passo que esta consome imagens e músicas virtuais que se sobrepõem umas às outras num fluxo digital permanente.


Numa época em que, virtualmente, todos podem ser produtores, difusores e consumidores ao mesmo tempo e no mesmo lugar - está tudo na Internet, ao alcance de um clique -, o aumento exponencial da oferta é inversamente proporcional à possibilidade do advento de um novo Jackson.


"Dantes, tínhamos uns milhares de artistas, poucos; hoje, e só no MySpace, temos cerca de oito milhões de potenciais artistas", contabiliza Brito, ressalvando: "Mas isso também implica que seja mais difícil algum destacar-se. Por muito talento que tenha, isso não faz da Mia Rose - novo fenómeno português da Internet - uma artista maior do que a Mariza, que nunca andou na Internet mas que, todavia, é cantada no Mundo inteiro". Falta-lhe a aposta de uma editora que a catapulte, trabalhe o talento e lhe dê... uma imagem consistente.


Não obstante o seu cepticismo, a professora do ISCAP admite a possibilidade de construção icónica de um artista nos dias que correm. Para isso, no entanto, "será necessário dotá-lo de uma narrativa pelo recurso a múltiplas plataformas", diz, dando como exemplo os D'Zert. "A banda não existia apenas nos palcos ou nos discos; existia também fora deles, na série Morangos com Açúcar, permitindo aos seus fãs a ilusão do contacto diário, gerando assim um ídolo com uma vida".


Ainda assim, a anos luz desse astro maior que foi Michael Jackson, o símbolo por excelência da geração MTV, que se empenha agora em recuperar os sons e as imagens dessa década seminal, suscitando uma onda revivalista dos anos 80 que contamina todos os escaparates da cultura contemporânea. Numa ilustração eloquente de uma tradição antiga nas exéquias dos monarcas, como se bradasse: "O rei está morto. Viva o rei". Não haverá outro.


Sem comentários: