As estatísticas revelam que a faixa etária entre os 15 e os 19 anos é responsável por 11,7% dos abortos feitos no Sistema Nacional de Saúde, em 2008.
Ou seja, duas mil jovens passaram pela experiência do aborto. A isto acresce o facto de mais de cinco mil meninas terem sido mães. Estará a escapar-nos alguma coisa?
Portugal contabilizou no ano passado dois mil abortos em adolescentes, no Sistema Nacional de Saúde (SNS). A estatística revela que a faixa etária entre os 15 e os 19 anos foi responsável por 11,7% do total das interrupções voluntárias da gravidez efectuadas pelo SNS, no primeiro ano da despenalização desta prática. No mesmo ano, cerca de 5800 bebés nasceram de mães adolescentes. Falhará alguma coisa na nossa tão falada Educação Sexual?
"A consistência. É importante trabalhar a consistência. Se os temas são abordados regularmente, as pessoas aprendem. Caso contrário, tendem a esquecer. É preciso investir nisso", defende Duarte Vilar, da Associação Portuguesa do Planeamento da Família.
A pertinência de abordar este aspecto assenta no facto de haver territórios vagos no que à Educação Sexual concerne. Até ao projecto-Lei 660, não existia definição do contexto disciplinar ou de quem daria esta matéria. A ideia era que fosse algo abordado de forma transversal. Qualquer professor poderia contribuir, quando quisesse. Ficava assim arrumado o assunto. Com o projecto-Lei 660, as escolas estão obrigadas a dar 12 horas anuais de Educação Sexual ao 3.º Ciclo e Secundário e seis horas aos 1.º e 2.º ciclos. Ainda assim, "há aspectos vagos, como, por exemplo, não estar definido como serão leccionadas as 12 horas ao Secundário", alerta Duarte Vilar.
A Educação Sexual - que é uma das quatro valências da Educação para a Saúde - pode acontecer na área de Projecto ou em Formação Cívica (áreas curriculares não disciplinares, mas com carga horária fixa), se estivermos a falar do Ensino Básico. Sucede que no Secundário não existe Formação Cívica e só existe Área de Projecto no 12.º ano, ou seja, "será o Conselho Executivo de cada escola a definir como e em que aulas será leccionada esta matéria. Vai, obviamente, roubar-se tempo a outras disciplinas", informa.
E haverá tempo para dar o conteúdo da disciplina, mais a Educação Sexual? E o professor, além de ter formação da disciplina que sempre deu, tem formação para dar Educação Sexual? Está preparado? "A ideia que eu tenho é que a formação de professores nesta área não é prioritária para o Governo, tal como não são prioritários os estudos sistemáticos e anuais sobre os conhecimentos dos nossos jovens nesta matéria", argumenta aquele responsável.
Números ainda muito preocupantes
Não haverá estudos anuais sobre o conhecimento dos mais jovens nesta matéria, mas todos os anos há resultados bem visíveis do seu desconhecimento. Falamos de sete mil grávidas adolescentes, em 2008. Cinco mil meninas que foram mães, mais duas mil que passaram pela experiência de um aborto (só no Sistema Nacional de Saúde).
E, apesar de este número ter vindo a decrescer, Portugal continua a ser um dos países da Europa com maior percentagem de grávidas adolescentes. Segundo a Organização das Nações Unidas, seremos o segundo país da UE com mais mães adolescentes. Mas, então, o que se passa quando, aparentemente, não falta informação? Afinal, o que é que se passa quando, aparentemente, os mais novos até estão informados?
"Em termos gerais, os mais jovens respondem satisfatoriamente a temas ligados com a sexualidade. O problema é que, depois, em questões mais particulares, as suas respostas são manifestamente insatisfatórias", informa Vilar Duarte.
Um conhecimento superficial patente num estudo levado a cabo pela Associação Portuguesa para o Planeamento da Família, no ano passado, em 63 escolas de todo o país, como milhares de alunos. Numa escala de 27 itens, a maior parte dos discentes respondeu bem. O problema foi quando se aprofundaram as coisas. Fatalmente, no que dizia respeito a métodos contraceptivos e às infecções sexualmente transmissíveis, a percentagem de respostas correctas caiu imenso. Basicamente, pouco sabem em profundidade sobre como evitar uma gravidez ou uma infecção sexualmente transmissível.
A par deste desconhecimento estão as condições de vida. Dizem as estatísticas que é nos grupos socialmente desfavorecidos que a gravidez na adolescência é mais frequente. O que é preciso, então? "É preciso reforçar programas nos territórios educativos de intervenção prioritária", sugere, acrescentando que "territórios prioritários são aqueles onde a pobreza é mais evidente". É preciso, ainda, compreender a importância da Educação Sexual. "A Educação Sexual é precisa". Ponto.
Mas, em que condições?
Tecnicamente, será preciso definirem-se balizas. Por exemplo, nos alunos do Secundário, como vai ser leccionada esta matéria? Como ficarão asseguradas essas 12 horas obrigatórias? Episódios recentes de professores que, alegadamente, tiveram conversas menos próprias como os seus alunos colocam os pais de sobreaviso. Não precisarão os docentes de formação específica para dar esta matéria?
A questão vai, no entanto, muito além dos pormenores técnicos. Os pais preocupam- -se com o conteúdo divulgado. Muitos pensarão, até, que abordar esta matéria exaltará a vida sexual dos jovens e, por isso, têm medo. E recorde-se que a orientação do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem sobre o assunto é de que aos pais - não devendo estes opor-se à Educação Sexual - será assegurado o direito de guiarem os filhos segundo as suas convicções.
Estes medos são potenciados quando são ventiladas informações erradas como, por exemplo, a que dava conta da distribuição pura e simples de preservativos nas escolas. Isso não acontece. O que se propõe é um gabinete de apoio ao aluno, com ligação ao Centro de Saúde, onde está um técnico que o acompanhará e aconselhará.
Daniel Sampaio, psiquiatra e coordenador do ex-Grupo de Trabalho para a Educação Sexual/Saúde garante, contudo, que "a maioria dos pais é a favor da Educação Sexual" e esclarece que "a Educação Sexual não ensina a ter relações sexuais. Ensina a ter decisões responsáveis, o que significa muitas vezes adiar a sexualidade". O psiquiatra avança que "a escola pode fornecer informação científica e credível, tendo em conta a idade dos interlocutores, mas em colaboração com as famílias".
Dito isto, Daniel Sampaio lamenta os mal-entendidos. "É muito triste para os jovens que se esteja sempre a tentar matar as boas iniciativas". A mais recente polémica dentro desta temática da Educação Sexual prendeu-se com o Projecto Cuida-te, projecto com várias valências sendo uma delas as unidades móveis que se deslocam até aos jovens para os encaminhar através de um médico ou de um enfermeiro. No quadro da prevenção da sida, pensou-se na possibilidade de se fazerem testes. Sem o consentimento dos pais?, perguntaram as vozes mais conservadoras. A ideia, esclarece Daniel Sampaio, nunca foi fazê-los sem a autorização parental, embora isso possa ter acontecido.
A ideia é de que a família seja, de facto, o primeiro garante de educação, permitindo depois à escola instruir. Instruir por forma a que se evitem flagelos como gravidezes precoces (que, na maior parte das vezes, vai perpetuar uma situação de pobreza), ou como a sida. A ideia é esclarecer, responsabilizar. Falta saber é como é que a escola fará isso de forma eficaz, garantindo as 12 horas anuais obrigatórias aos mais velhinhos e garantindo a consistência que permita a mensagem passar, que permita aprofundar temas como a contracepção e as infecções sexualmente transmissíveis.
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