Um pastor, de 58 anos, passou os últimos dez sequestrado e escravizado numa exploração agrícola em Sernancelhe. Há dois meses fugiu para Fornos de Algodres. No último fim-de-semana, o patrão foi lá buscá-lo à força. A PJ resgatou-o.
No passado domingo, quando levava a cesta com o almoço ao pastor que, há cerca de dois meses, lhe guardava o gado, José Gomes, agricultor em Fuinhas, Fornos de Algodres, sobressaltou-se: o homem tinha desaparecido e as ovelhas andavam tresmalhadas.
A denúncia do caso às autoridades, por parte do empresário agrícola, levou a Polícia Judiciária (PJ) da Guarda a entrar imediatamente em acção. No mesmo dia, o pastor Luís Carlos Vaz Marques acabaria por ser resgatado em Sernancelhe, na quinta onde viveu alegadamente escravizado nos últimos 10 anos.
O proprietário foi detido sob suspeita da autoria de crimes de escravidão e sequestro. Sujeito a um primeiro interrogatório judicial, viu ser-lhe aplicada a medida de coacção mais leve: a obrigação de apresentações periódicas às autoridades até à data do julgamento.
A equipa de investigação refere, no mesmo comunicado, com base nos elementos de prova recolhidos, que o detido "explorou a força do trabalho da vítima durante vários anos, mantendo-a permanentemente sob ameaça e em condições humanamente degradantes, numa sua propriedade agrícola, sem lhe pagar qualquer salário ou recompensa".
Ontem, em declarações o pastor Luís Marques, que na última terça-feira regressou à quinta de Fuinhas, em Fornos de Algodres, lembrou o "inferno" que passou em Sernancelhe.
"Batiam-me com um pau nas costas. Chegaram a cortar-me um dedo com uma forquilha e partiram-me a cabeça três vezes. Era um boneco nas mãos daquela gente", revela o homem que não aprendeu a ler e a escrever. E que só agora soube, pelas autoridades, que tem 58 anos de idade.
"Ao fim de cada mês, quando chegava o vale da minha reforma, iam comigo levantar o dinheiro a Sernancelhe. Mas no regresso à quinta, mal entrava no carro, ficava logo sem ele. Nem sei quanto era. O patrão dizia que metia o dinheiro no banco e por conta dele dava-me um maço de cigarros de vez em quando", desabafa o pastor.
Há dois meses, após várias tentativas frustradas de fuga para a terra natal, em Cortiçô, Fornos de Algodres, onde o patrão de Sernancelhe o ia sempre buscar "à força", Luís Marques conseguiu finalmente escapar à vigilância.
"Fugi da quinta às três da madrugada e caminhei sem parar durante várias horas. Ao meio-dia, cheguei a Fuinhas", relata, eufórico.
A primeira coisa que fez foi bater à porta de um antigo patrão. "Ele gostava de ajudar-me, mas não tinha vaga para mim. Por outro lado, as pessoas também tinham receio de dar-me trabalho, porque o outro [o antigo patrão] vinha sempre buscar-me", lembra.
Apesar do medo dos agricultores, a vítima acabou por encontrar guarida na casa de José Gomes. "Pediu-me se podia ficar para guardar as ovelhas a troco de comida, cama e roupa lavada. Tem trabalhado bem, e sinto-me satisfeito por o ter comigo", confessou.
O que se passou no domingo é alvo de todas a críticas. "Soube que vieram aí dois homens, com uma carrinha, e levaram o pastor à força. Caçaram-no como se fosse um coelho. Fiquei indignado e comuniquei o caso às autoridades. Ninguém tem o direito de privar um homem da sua liberdade", conclui José Gomes.
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