As brechas no plano de contingência português em caso de pandemia ficaram esta quarta-feira claras: sem internamento compulsivo, não há nada a fazer se um doente se recusar a seguir as recomendações. Aconteceu em Seia.
Uma mulher de 60 anos apresentou-se ontem no Hospital de Seia com dores de cabeça que já sentia desde o dia anterior. E trazia a informação que fez dela uma suspeita de ter contraído gripe A (H1N1): chegara anteontem dos Estados Unidos. O sistema funcionou como previsto, o hospital contactou a Direcção-Geral de Saúde, que validou os ingredientes da suspeita. Foi chamado o INEM, para transportar a doente para o hospital de referência mais próximo, em Coimbra. Tudo certo até que a mulher recusou e resolveu ir para casa.
Segundo relatos de um jornalista local ouvido pela Lusa, a mulher saiu do hospital e retirou a máscara que lhe tinha sido fornecida. E, à enfermeira que a avisava para não o fazer, respondeu que estava ali havia "três horas", estava "farta de esperar", "só" tinha "dores de cabeça" e preferia ir "à farmácia buscar um medicamento". Obrigou à intervenção da delegada de saúde, que só horas depois conseguiria convencer a imigrante a seguir para Coimbra.
Embora ainda nada confirme a infecção com o novo vírus de origem suína - e que tem nos EUA, de onde veio a mulher, o maior número de infectados (5710) -, o facto é que, a tratar-se de um caso de gripe A, a atitude da doente pode ter posto em causa as medidas para prevenir mais contágios. Além de atrasar uma eventual confirmação, uma vez que só em Coimbra será retirada amostra para análise no Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge.
A verdade é que nada na legislação portuguesa permite o isolamento obrigatório em caso de doença infecciosa. O plano de contingência apenas indica que "as medidas de distanciamento social devem ser voluntariamente executadas". "Medidas compulsivas", só em "situações extremas" e já em situação de pandemia, "para a contenção numa fase precoce". Ora, esta continua por declarar pela Organização Mundial da Saúde.
Ontem, no ponto de situação diário da evolução do H1N1, o Ministério da Saúde lembrou o artigo 27º da Constituição, segundo o qual "os cidadãos não podem ser compelidos a aceitar tratamentos e/ou internamentos compulsivos". Apelou, por isso, ao "civismo" da população e alertou para "uma situação susceptível de colocar em risco a saúde de terceiros". À falta de obrigação, resta o artigo 283º do Código Penal, que define o "crime de transmissão de doença contagiosa".
O caso da imigrante de Seia é um dos dois ontem à noite "em investigação" em Portugal. Somava-se a outro, de uma idosa também vinda dos EUA para passar férias nos Açores. Sentindo-se mal, foi ao Centro de Saúde da Ribeira Grande, que a remeteu para o Hospital de Ponta Delgada, onde foi isolada até se saber o resultado das análises, para evitar contágios. Isto apesar de a gripe ser geralmente "ligeira do ponto de vista clínico", como lembrou ontem a ministra da Saúde. O receio, aqui, prendeu-se com o facto de terem decorrido no fim-de-semana as festas do Santo Cristo, às quais vieram assistir cerca de um milhar de imigrantes nos EUA.
A Secretaria Regional da Saúde açoriana afastou, contudo, o risco de contágio em larga escala, dado que a doente chegou aos Açores depois das festas. Os passageiros com quem viajou já foram contactados, não havendo registo de sintomas gripais.
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