Todas as semanas o processo do desaparecimento de Madeleine McCann ganha volume.
Desde que foi arquivado, a 21 de Julho do ano passado, já há mais 700 folhas com denúncias - identificadas e anónimas - novos pretensos avistamentos e até palpites de videntes. E todos os meses há mesmo um pedido de reabertura do inquérito apresentado por um advogado espanhol. Afinal, são bastantes aqueles que se questionam por que razões foi decidido arquivar o processo tão cedo, atendendo a outros casos, sem uma explicação para o estranho desaparecimento na Praia da Luz, Lagos, Algarve, completam-se hoje dois anos.
A persistência da necessidade de realizar diligências vem, ou não, dar razão a quem defende que o processo não deveria ter sido arquivado? Deveria, ou não, ter sido dada como concluída a investigação, como se nada mais houvesse para averiguar?
Fontes próximas do processo que a investigação, tutelada pelo procurador do Ministério Público de Portimão e por um procurador-geral adjunto colocado na Procuradoria Distrital de Évora, não teve outra alternativa se não optar pelo arquivamento a partir do momento em que Pinto Monteiro, procurador-geral da República, estipulou publicamente que, até determinado dia, o "caso Maddie" deveria ter "uma solução".
É que, perante os dados existentes no processo, a decisão, na data em que ocorreu, só poderia ser o arquivamento. Este desfecho, sugerem fontes próximas do caso - como o ex-coordenador da PJ, Gonçalo Amaral (ver páginas seguintes) -, pode ser entendido como uma forma de ilibar o casal Kate e Gerry McCann e ainda Robert Murat (primeiro arguido constituído pela Judiciária), num contexto de tensão nas relações diplomáticas entre Portugal e Inglaterra.
Para vários intervenientes, o fim do prazo máximo em que o processo poderia manter-se em segredo de Justiça não impediria, por si só, que a investigação, por sua iniciativa, continuasse a explorar novos caminhos e hipóteses de resolução do caso. Aliás, outros inquéritos de desaparecimentos de crianças mantêm-se em aberto durante anos e anos. Exemplo é o caso de Rui Pedro Teixeira Mendonça, de Paredes. Desencadeou-se há 11 anos (4 de Março de 1998) e só muito recentemente foi aventada a possibilidade de arquivamento, por parte do Ministério Público, após anos de diligências no estrangeiro. Ainda assim, não existe despacho final. "As investigações continuam em curso. O caso não está encerrado", confirma Ricardo Sá Fernandes, advogado da família de Rui, que hoje terá 22 anos.
Há, no entanto, quem considere totalmente irrelevante o arquivamento de inquérito-crime em casos de pessoas desaparecidas. Pois, sublinha um reputado especialista no fenómeno do desaparecimento de crianças, um arquivamento não tem, face ao actual quadro penal, o significado de "morte" do processo. Quer isto dizer que qualquer facto novo que invalide os argumentos do encerramento é suficiente para provocar uma reabertura do inquérito.
Para o mesmo interlocutor, mais importante é que continue a existir procura dos desaparecidos, mantendo-se os procedimentos habituais de divulgação. Isto porque, para a pesquisa de desaparecidos, não é necessária nem obrigatória a abertura formal de inquérito, uma vez que, em termos gerais, um desaparecimento de uma pessoa nem sempre é motivado por um crime. Elucidativo desta realidade é o facto de, perante cerca de 700 desaparecimentos de pessoas registados anualmente pelas autoridades em Portugal, não ser registado igual número de processos.
Nestas circunstâncias, não será de estranhar o arquivamento do caso Maddie. "A investigação deve continuar enquanto houver diligências para efectuar. Se nada mais houver de útil, não há necessidade de manter o inquérito aberto. Se surgirem novas provas, reabre-se". Porém, o que pode ser questionado é se, volvidos dois anos, uma investigação é capaz de manter o mesmo vigor do início. E aí, explica a mesma fonte, a resposta pode ser negativa.
Num contexto de manutenção dos meios de divulgação de pedidos de informação por parte das autoridades policiais, importante será, com o avançar dos anos, a "actualização da imagem" de Madeleine McCann. Esta preocupação tem-se verificado em alguns casos de relevo mediático - não em todos.
Há, todavia, um dado que pode nesta altura ser tido como assente. A partir do momento em que o caso foi arquivado, o Ministério Público e a Polícia Judiciária deixaram de ter iniciativa própria e de partir à procura de novas pistas e rumos. Pelo contrário, passaram a esperar que as pistas aparecessem, sob impulso e iniciativa exteriores.
De uma atitude activa, passou-se para uma postura passiva. Da procura passou-se à espera. Ou seja, as autoridades consideram não se justificar empenhar mais recursos ou imaginar outras formas de investigação e de abordagem ao caso.
Como aquando da fase mais quente da investigação alguém - nomeadamente os investigadores ingleses - se lembrou de convocar os cães "Eddie" e "Keela" para pesquisar, em locais estratégicos, odores a cadáver e vestígios de sangue ou outros fluídos biológicos.
Ou quando o Ministério Público requereu ao juiz de instrução criminal que, além dos dados de tráfego e facturação detalhada dos telemóveis utilizados pelo grupo de nove ingleses em dias determinados, fossem pedidos às operadoras telefónicas a disponibilização do conteúdo de mensagens curtas (SMS) enviadas e trocadas por aquelas pessoas durante os dias mais quentes.
No primeiro caso, a vinda dos animais trouxe novo fôlego ao caso. Foram descobertas "marcas" de odor a cadáver no quarto do casal, por trás de um sofá junto a uma janela na sala do apartamento, em roupas da mãe de Madeleine e - estranhamente - na bagageira de um automóvel alugado pelo casal mais de 20 dias após o desaparecimento. E ainda vestígios biológicos sensivelmente nos mesmos locais, que, em relatório final de um categorizado laboratório forense britânico, viriam a revelar-se inconclusivos, quer quanto à cabal identidade com Madeleine, quer mesmo quanto à dúvida sobre que tipo de fluídos se tratavam. Acresce, ainda, o facto de os sinais dos cães não poderem, por si só, constituir prova.
No segundo caso, o juiz Pedro Frias acabou por recusar o acesso às mensagens escritas, por considerar que, na prática, estaria a permitir intercepções telefónicas com efeito retroactivo até uma data em que não havia autorização judicial. A decisão foi confirmada pelos juízes-desembargadores do Tribunal da Relação de Évora, tendo ficado inviabilizado conhecimento do conteúdo de tais informações, que poderiam revelar-se importantes para a investigação.
Estando o processo arquivado, qualquer iniciativa deste género só será possível se o caso for reaberto na sequência de impulso exterior que o justifique. O que, até agora, não foi o caso.
Aquando do arquivamento, o processo tinha 17 volumes principais e vários apensos. Hoje, volvido quase um ano desde o termo do caso - e dois anos após o dia em que menina inglesa foi vista pela última vez -, os autos têm mais dois volumes e dois apensos, o que significa cerca de mais 700 folhas. No total, os autos principais (excluindo apensos) têm mais de cinco mil páginas.
Cada vez que chegam novas informações à Polícia Judiciária ou Procuradoria Geral da República, o expediente vai parar às mãos de um dos principais investigadores do caso. Ricardo Paiva procede então às averiguações consideradas pertinentes, envia mensagens de correio electrónico a autoridades policiais estrangeiras e, invariavelmente, tem elaborado informações dirigidas ao procurador da República de Portimão, Magalhães de Menezes, garantindo nada trazerem de novo ao caso. Ao que sabe este magistrado guarda, ainda hoje, dois volumes do processo no seu gabinete.
Várias denúncias relatam que Maddie já terá sido vista em Minas Gerais (Brasil), na Córsega (Itália), na Suécia, na Polónia ou no México. Há, inclusive, uma vidente de Amesterdão (Holanda) que afirma que a criança inglesa introduziu uma caneta numa tomada do apartamento do Ocean Club, na Praia da Luz, Lagos, e que acabou por morrer electrocutada. Depois, foi colocada numa lixeira a um quilómetro do local. Para os investigadores, após diligências sumárias, nada disto tem consistência.
Antagonistas aparentes quanto à investigação e supostas "pressões", por parte do governos português e inglês, num aspecto o ex-director nacional da PJ, Alípio Ribeiro, e o ex-coordenador da investigação, Gonçalo Amaral, estão, curiosamente, de acordo. Aqueles dois protagonistas do caso já assumiram que o arquivamento foi prematuro, por estar ainda tudo por esclarecer. Mas, mesmo com o processo arquivado, algum dia saber-se-á o que realmente aconteceu?
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