Toda a cidade que se preze tem o seu rio e gosta de mirar-se nas suas águas, usufruir as suas margens. Ora, a relação de Viseu com o Pavia não tem sido edificante. São desencontros antigos, ciclicamente iludidos com promessas de amor.
Entretanto, com autárquicas no horizonte, os políticos voltam ao Pavia, mas este está desconfiado e seco. É que os rios também envelhecem... e só o amor e carinho os podem regenerar.
O rio Pavia atravessa a cidade de Viseu e apresenta, no trecho urbano, um índice de poluição que não tem a montante nem a jusante. A pressão urbana, a falta de cuidado e de manutenção, as irregularidades pluviais... muito têm contribuído para um agravamento da situação. Será uma situação irreversível? O rio pode ainda voltar à sua juventude e ser reconquistado como pólo atractivo da cidade de Viseu? É o que vamos tentar perceber.
I - Uma bacia hidrográfica envelhecida
O rio Pavia é uma bacia hidrográfica com várias nascentes e cursos de água. O seu curso principal situa-se na zona do Mundão, mas a sua bacia tem uma ampla distribuição geográfica e uma ramificação grande. A sua bacia sofreu um processo evolutivo que atinge todos os cursos de água e, neste momento, estará numa fase de velhice. Isto acontece porque houve um aplanamento do seu perfil longitudinal, isto é, verificou-se um trabalho de erosão que foi transportando sedimentos das cabeceiras (zona das nascentes) para os acumular ao longo dos cursos médio e inferior. Assim, apesar da inclinação geográfica bastante grande entre a nascente e a foz, o trabalho de erosão tornou esta representação gráfica quase plana e, quando isto sucede, a corrente do rio perde potência. Em teoria só pode haver rejuvenescimento natural se a nascente subir (o que não é natural), se a foz descer, ou se houver uma alteração climática brusca de forma a fazer uma abrupta recarga do caudal. Nenhuma destas situações é equacionável, pois era preciso um verdadeiro cataclismo. Deste modo, só uma empenhada acção do homem, através do esforço conjugado de instituições, poderá alterar a situação.
II - Ser ou não ser um esgoto a céu aberto: eis a questão
Segundo Américo Nunes, vice-presidente da Câmara Municipal de Viseu e biólogo, "há treze ou catorze anos o rio era um esgoto a céu aberto. Ainda hoje há lançamentos selvagens, em algumas zonas, em situações pontuais. O Matadouro, por exemplo, sito nas margens do rio, não tinha sistema de tratamento dos efluentes. Também o Parque Industrial de Mundão, na altura zona industrial de Mundão, não tratava os efluentes.
Isto para não falar dos particulares que tinham os seus esgotos directa ou indirectamente ligados ao rio. Ora, a primeira coisa que a Câmara procurou foi erradicar essas descargas nocivas e, para isso, implantou colectores de esgoto desde o Parque Industrial do Mundão até à ETAR de S. Salvador. Para tal, deu-se a possibilidade de particulares e industriais se ligarem ao colector gratuitamente, sem encargos nem taxas."
Já na óptica de Miguel Ginestal, candidato à presidência da autarquia pelo PS, " o rio Pavia está morto, a jusante da ETAR de S. Salvador. É visível aquele efeito sinónimo de que existe metano nas águas." O deputado e candidato socialista, numa sessão do Fórum Novas Fronteiras (06.06.05), mostrou-se indignado com o estado "lamentável" do rio Pavia. "É mais um esgoto a céu aberto" - denunciou.
III - Por este rio acima
Polémicas à parte, fomos nós percorrer o rio, sobretudo no trecho citadino, para fazermos uma apreciação do seu real estado de saúde. Ao mesmo tempo, aproveitámos para questionar moradores e comerciantes da ribeira e de outras zonas da cidade de Viseu quanto ao teor das ditas melhorias e projectos.
Colocámos três perguntas 1 - " Conhece o Projecto de Intervenção para o rio Pavia?"; 2-"Tem notado melhorias introduzidas no rio Pavia?"; 3-" Tem conhecimento da campanha anti-poluição do rio Pavia?"
As respostas à primeira questão, quanto ao projecto para o Pavia, o desconhecimento é total. Relativamente à segunda pergunta, as pessoas responderam que não tem havido alterações visíveis, reconhecendo, todavia, que há menos maus cheiros. Finalmente, quanto à terceira questão, as respostas foram invariavelmente negativas: ninguém afirmou ter conhecimento de alguma campanha de sensibilização para a não poluição do rio. No nosso percurso pedonal de reconhecimento conseguimos avistar uma placa velhinha e muito "demodé" apelando à salvaguarda do rio. (questões colocadas nos dias 8 e 9 de Junho)
Do reconhecimento que efectuámos, parece-nos que é muito preciso re-investir numa campanha de sensibilização e fiscalização de modo a que a população aprenda a respeitar e a gostar do rio e desista, de uma vez por todas, de o poluir. Constatámos também que subsistem focos de poluição: as margens não estão limpas e não salvaguardam uma zona de protecção e usufruto a quem queira caminhar à beira rio, o rio tal como se apresenta não atrai pessoas, não convida ao lazer ou a quaisquer actividades desportivas. Ou seja, a cidade e o rio ainda continuam de costas voltadas.
IV - Os já "eternos" projectos de intervenção
Se é certo que Roma e Pavia não se fizeram num dia, também não é menos verdade que já começa a cansar o cíclico anunciar de projectos de requalificação do nosso rio. "Depois da erradicação dos esgotos e das campanhas de sensibilização para que os cidadãos não poluam, enveredamos agora por ponderar o arranjo paisagístico das margens" - declarou-nos o vice-presidente da CMV.
"Estes foram os primeiros passos longos e difíceis para fazer renascer o rio. Estamos a desenvolver um projecto que prevê a construção de pelo menos duas albufeiras no curso superior do rio (algures ente Mundão e a cidade) para podermos controlar as cheias de Inverno e controlar a recarga para que possamos ter água no Verão".
"No troço citadino compreendido entre a radial de Santiago e a ponte medieval da Azenha, surgirá (através da Viseu Polis e da CM de Viseu) um corredor verde de um lado e do outro das margens. Há-de haver ali desde o parque da Feira, zonas de lazer, ciclovias, parques infantis, um parque radical... Tudo isto para as pessoas poderem fruir as margens devidamente arranjadas".
Sobre o andamento das obras, o mesmo autarca afirmou-nos "Nós estamos a lançar concurso sobre concurso, há coisas que vão sendo feitas ao longo do tempo, mas digamos que eu penso que durante mais um ano, um ano e meio, dois anos, o essencial estará feito".
V - Por ti, Pavia, nós vamos estar atentos!
Este foi o ponto de situação possível sobre um rio que apresenta uma grave crise de identidade. Muitos viseenses teimam em não lhe conceder o estatuto de rio e referem-se a ele como algo sujo e impraticável. Outros, tomados de nostalgia, ainda recordam os tempos em que o rio tinha pescarias e barcos de recreio no largo açude da Casa da Ribeira.
Não deixa de ser curioso que os promotores imobiliários da zona da Ponte da Azenha invoquem a aguardada mais valia de um Pavia recuperado para melhor venderem os apartamentos. Sem dúvida que um rio limpo e atractivo aumenta a qualidade de vida dos residentes na sua vizinhança. Contudo, ao mesmo tempo, causa-nos apreensão e surpresa que na zona do Fórum Viseu o betão quase avance até ao leito do rio. Tamanha pressão sobre as margens é um perigoso contributo para apoucar ainda mais o Pavia.
Entretanto, Pavia, sabemos continuas a tua luta de levar as águas ao mar. Estamos conscientes de que o serem turvas ou límpidas, isso é responsabilidade nossa. Gostávamos de te ver renascer e acreditamos, sinceramente, que um dia havemos de ouvir a tua saudável corrente e havemos de nos mirar nos teus espelhos de água.
Artigo elaborado por
Texto: Carina Santos e Luís Rodrigues
Fotografia: Fausto Timóteo
Esc. Prof. Mariana Seixas
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