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sábado, 19 de janeiro de 2008
O mapa com a fronteira só tracejada
Em vez de um risco grosso, um tracejado no mapa. Uma disputa fronteiriça entre a Índia e o Paquistão, a Eritreia e a Etiópia, o Chile e a Bolívia? Não! A desavença, velha de dois séculos e nunca claramente assumida nas cimeiras bilaterais, é entre Portugal e a Espanha, que não colocam marcos fronteiriços entre o rio Caia e a ribeira de Cuncos, o limite fronteiriço que não consta na cartografia oficial portuguesa nem em qualquer documento com o escudo nacional.
Eis o motivo que faz com que os cerca de 750 associados do Grupo dos Amigos de Olivença (GAO) - que assinalam sempre com ênfase o 1.º de Dezembro - continuem a pugnar para que o Estado Português prossiga o que consideram um "imperativo constitucional": a exigência de que Espanha cumpra o decidido no Congresso de Viena de 1815, isto é, a entrega do território de Olivença.
Na origem da polémica está a Guerra das Laranjas. Em 1801, com o apoio napoleónico, as tropas espanholas tomaram Olivença a 20 de Maio, no dia seguinte conquistaram Juromenha, cercaram Campo Maior e, depois, Elvas. Após duas semanas, Portugal pediu a paz e, a 6 de Junho, assinaria o Tratado de Badajoz, em que os territórios alentejanos eram restituídos, à excepção da praça de Olivença do seu território além-Guadiana, que ficavam espanhóis "em qualidade de conquista".
O documento, em que se selava uma paz eterna entre os dois Estados, seria considerado nulo se alguém violasse qualquer dos seus pontos. E como, em 1807, os espanhóis apoiaram a invasão francesa de Junot, um diploma do príncipe regente (futuro D. João VI, já no Rio de Janeiro, que era, à época, a capital portuguesa), o Manifesto de 1 de Maio de 1808, declara nulo e de nenhum vigor o anterior Tratado de Badajoz.
No Congresso de Viena de 1815, em que se reúnem França, Grã-Bretanha, Áustria, Prússia, Rússia, Suécia, Portugal e Espanha para se desenhar a nova ordem europeia após as Guerras Napoleónicas, o art. 105.º da Acta Final obrigava a Espanha (que só assinaria o documento em 1817) a devolver Olivença a Portugal.
O actual presidente do GAO, Teixeira Marques, sustenta ao DN que aquele grupo de cidadãos pretende o mesmo que tem sido sempre "a política oficial do Estado Português" neste tema, mas insistindo para que o assunto "se reponha em cima da mesa das negociações diplomáticas".
Evocando a História e o Direito Internacional, lembra que o Manifesto de 1808 "nunca foi revogado por qualquer outro documento jurídico idêntico" e que as autoridades nacionais continuam, em seu entender, vinculadas a esse diploma. Além disso, alega que o art. 5.º-1 da Constituição de 1976 - "Portugal abrange o território historicamente definido no continente europeu" - só se entende por ter, implícita, uma alusão a Olivença. E acrescenta que esta tese é subscrita pelos principais constitucionalistas, de Jorge Miranda a Gomes Canotilho.
Neste contexto, admite Teixeira Marques, "não sugerimos que se faça um referendo em Olivença ou se recorra a um tribunal arbitral, que a questão seja debatida no âmbito da ONU ou em Bruxelas", pois isso compete aos legítimos representantes do País. Os Amigos de Olivença insistem é na necessidade do tema integrar a agenda da nossa diplomacia e ser abordado entre os dois Estados.
Parecem distantes, pois, os tempos em que o presidente do GAO era o almirante Pinheiro de Azevedo (primeiro-ministro do VI Governo Provisório e candidato na eleição presidencial de 1976), que publicou um livro com o título Olivença Está Cativa Pela Espanha - Por Culpa de Quem? Olivença! Gibraltar! Malvinas! e sugeriu uma "marcha verde" para libertar a cidade.
E, no entanto, o actual presidente - ou qualquer outro membro dos corpos dirigentes do GAO, onde há gente do CDS ao BE, "com cartão passado", incluindo votantes no PCP, PS e PSD - acredita que, com um período razoável para se fazer um referendo (três ou quatro anos, de forma a criar um "estado de espírito pró-português"), seria "estultícia considerar que o resultado era pró-espanhol". E vai mais longe: "Se, por hipótese, se decidisse fazer uma consulta aos oliventinos já depois de amanhã, haveria 4%, 5% ou 10% que votavam para serem portugueses".
Perante o cepticismo, Teixeira Marques avança vários argumentos, invocando testemunhos de gente humilde e obras de pessoas letradas, visitas a casas onde os antigos denunciam o seu bilinguismo nas canções de embalar e e-mails de jovens que querem perceber por que motivo "não são iguais aos de Badajoz". "O tempo jogou contra Portugal - até porque o homem comum não conhece a História -, mas agora já não joga. A erosão que o tempo podia fazer está feita: ou conseguiu a castelhanização ou, então, num tempo de globalização, já não o consegue."
E o presidente dos Amigos de Olivença lembra as fases em que Madrid aumentou a aculturação: em 1805, as actas da câmara começaram a ser em castelhano e, em 1840, o uso do português foi proibido nas liturgias e os padres passaram a falar na língua dos funcionários, professores e magistrados, persistindo o português só entre a população rural. No franquismo, que tentou erradicar o basco, o catalão e o galego, não se podia falar português na rua, sob pena de serem aplicadas coimas aos delinquentes linguísticos. Entretanto, a par da escolaridade obrigatória na língua oficial, a rádio e a televisão acentuaram a presença do castelhano no quotidiano.
A questão de Olivença, que muita gente em Portugal considera uma bizantinice, tem afinidades com as polémicas que, oficialmente, Madrid mantém com Londres, a propósito de Gibraltar, e Rabat com Madrid, sobre Ceuta e Melilla. Afinal, o título do polémico livro lançado em 2003 pelo embaixador espanhol Máximo Cajal era Ceuta, Melilla, Olivenza y Gibraltar. Donde termina España. E até o site da CIA, na página dedicada a Espanha, acrescentou há uns anos que "Portugal não reconhece a soberania espanhola sobre o território de Olivença, com base em diferentes interpretações do Congresso de Viena de 1815 e do Tratado de Badajoz de 1801" .
E, enquanto aponta para o mapa pendurado numa parede da sede dos Amigos de Olivença, em Lisboa, Teixeira Marques cita uma frase escrita por Henrique Barrilaro Ruas: "Olivença é a chaga do lado no coração de Portugal."
Copyright © 2003 Grupo dos Amigos de Olivença
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